sábado, 20 de outubro de 2012

Cotas e ciclos

Toda política de “cotas” pressupõe uma condição de sociedade desigual, em descompasso com o estado ideal de democracia. Esta desigualdade diz sobre o nível de oportunidades oferecidas a cada camada social, em número e grau, não se avaliando a dimensão da capacidade individual; subjetivação que não serve de critério para a oferta de oportunidade.
Uma vez caracterizado este cenário de desequilíbrio, é imperativo que o Estado haja terapeuticamente, ainda que isso exija o incurso de métodos invasivos, de ação imediata e ríspida. As “cotas” são um exemplo de ação neste nível de imediatismo, com reflexo no futuro, ainda que não se exima a necessidade de um planejamento a longo prazo.
Contudo, há de se caracterizar a diferença entre cotas raciais e cotas sociais. O Brasil é um país mestiço, sendo seu povo o espelho da matriz difusa que o gerou. Dessa forma, não é aceitável que o critério racial seja relevado na readequação de oportunidades aos excluídos. De fato, o mais correto é que as avaliações sejam feitas a partir da análise das condições sociais, uma vez que, na periferia, nos guetos, favelas e comunidades, brancos, negros, pardos ou amarelos, estão todos em um único bloco, o dos marginalizados.
Ao facilitar o ingresso na universidade de um indivíduo deste bloco, até então, tratado a pão e água, rompe-se com um ciclo de vida casta, na qual os desejos e aspirações se resumem a uma oscilação micha, destinado a satisfação do processo de subsistência, sem mais. O sujeito nasce, educa-se precariamente na escola pública, e assim que pode divide com os pais as responsabilidades de casa, uma vez que esse é o plano de desenvolvimento possível a sua família.
Rescindido este contrato de mediocridade através da oportunidade, insere-se no contexto destas vidas o sonho, alicerçado pela cultura, capaz de promover transformações profundas em qualquer contexto social de violência e opressão. Isso, porque não se deve olvidar que vidas geram vidas, ciclos geram ciclos, e, portanto, esperança gera esperança.