sexta-feira, 3 de julho de 2015

O que é o futebol?

O futebol é técnica. É! Não “era”. É! Esqueçam essa de futebol moderno, todo mundo marca, intensidade, jogador importante taticamente, atacante que acompanha lateral, jogador carregador de piano e outras balelas mais. Subterfúgios, nada mais, para justificar a ausência de intimidade com a bola. Intimidade que às vezes vem de berço, aos cuidados do talento, mas que se pode adquirir com esforço e repetição, através da técnica. 
Talento é uma aptidão inata, um presente, uma dádiva, quem sabe uma missão. Em termos de futebol, a capacidade natural de ser irônico com os pés. Pode ser lapidado, mas não pode e não deve ser domado. Meu primo Haroldinho, com 15 anos, chutava a bola para o alto, em altura de ganhar o leitão, e depois a matava no peito, como se ali houvesse uma almofada. A bichinha rolava e caia macia no chão, não sem que antes ele dissesse a mim “vem pegar”, me aplicando um rolinho na sequência. Ninguém o ensinou. Nasceu sabendo. Fazia aquilo com a naturalidade de quem respira, anda ou fala. No final da brincadeira, chegava até mim e paciente tentava me explicar como fazer. “Não fica com medo da bola, relaxa o corpo quando ela chegar a você, como se você fosse um colchão, não uma parede”. Eu não tinha e não tenho talento, e ele se esforçava para me ensinar a técnica. 
Uma vez, assistindo a uma reportagem sobre Elias, volante da seleção, ouvi o depoimento de um antigo técnico do jogador, na várzea, dizendo o porquê de ter dado a ele uma chance. Ele disse que havia ido acompanhar um campeonato amador. O campo era de terra, esburacado, ruim. O jogo estava nas mesmas condições do campo, e ele já ia desistindo, quando o treinador de um dos times fez uma substituição e colocou Elias no campo. Franzino, magro, pequeno para a idade. Na primeira bola, o zagueiro adversário deu um balão para o alto fazendo a bola parar no meio campo. Elias estava por ali e o adversário se preparou para ganhar de cabeça. Quando a bola chegou, Elias não pulou, deu um passo para trás, matou a bola na ponta da chuteira, fez o giro e carregou para o ataque. O olheiro então disse: “ali eu vi um jogador”. É isso! Isso é um jogador! Técnica!
 Enfim, descrevo isso para dizer que a qualidade com a bola ainda sobrepuja qualquer outra característica que possam ter atribuído ao esporte. O segundo gol do Peru, na disputa pelo terceiro lugar da Copa América contra o Paraguai, foi uma pintura. Carrillo, camisa 18 do Peru, dominou uma bola parecida com a descrição de Elias, e ali, naquele domínio, e se não fosse aquele domínio, não haveria o gol. O giro, a fila, a velocidade, o passe correto na abertura na ponta, o gol de Guerrero. Tudo a mercê da técnica, e por isso, tão bonito. Bonito como deve ser o futebol e a sua essência. Bonito como era ver Haroldinho e seu talento natural. Saudade desse futebol! Saudade Haroldinho!