domingo, 24 de janeiro de 2016

Dois heróis e o triunfo da inteligência


        A despeito do marketing, publicidade e poder financeiro, o talento, o diferente, o exímio, continua a ser a forma mais eficaz de se angariar fãs e promover um esporte. O fetiche que envolve a aura do genial é de fascínio contagioso, capaz de transformar aquele que por vezes ignora as minúcias de um jogo em fiel seguidor, dando início ali a uma nova paixão. 
        A final da conferência americana no próximo domingo, entre Broncos e Patriots, é uma ode a dois personagens que sintetizam a potência fascinante do gênio. Tom Brady e Peyton Manning, “QBs” de Patriots e Broncos, já se enfrentaram 16 vezes, com vantagem para Brady de 11 vitórias. Este décimo sétimo encontro pode ser o derradeiro, o que traz à partida uma carga histórica substancial.
          Voltando ao ano 2000, seria impossível prever essa rivalidade e sua importância para o esporte. Ao pé da letra, aconteceu e só! Bem como são as coisas magnânimas. Manning desde a faculdade tinha um futuro brilhante anunciado. Foi a primeira escolha do draft de 1998 pelos Colts, considerado desde antes um dos maiores prospectos da história da liga. Dois anos depois, na lista dos passiveis de escolha, Brady era apenas um patinho feio. Foi escolhido apenas na 6ª rodada, a de número 299 pelos Patriots, que queria um reserva. Sua baixa popularidade no draft era fruto da sua avaliação física, abaixo dos demais. Era lento, pouco ágil, um “QB” que precisaria de um jogo específico, e que nem todos estavam dispostos a apostar. Estava assim, fadado a reserva, sem muita esperança.
        Numa reviravolta do destino, ganhou uma chance com a contusão do titular, e a aproveitou de maneira brilhante, não saindo mais do time. Inteligente e habilidoso nos passes, convenceu o técnico a formar um esquema que lhe favorecesse, surgindo daí uma química que continua fazendo história. De anti-herói, tornou-se o homem a ser batido, o que levou a inevitável comparação com Manning, outro gênio da posição. As discussões sobre quem era melhor, e os confrontos anuais, movimentaram fãs ao redor do mundo. Manning versus Brady tornou-se uma competição a parte, sem precedentes na NFL.
         Ironia, o corpo desajeitado e lento de Brady mostrou-se mais resistente aos anos, dando a ele condição de manter seu nível formidável. Já o de Peyton Manning sofre com o desgaste, parecendo admitir não estar mais disposto aos esforços e rotinas de um esporte muito físico. Essa disparidade física faz com que alguns classifiquem esse último confronto como um Davi contra Golias, o que na frieza das análises, pode encontrar respaldo. Mas na verdade não!
         Não há mocinho e vilão, nem herói e anti-herói quando se trata desses dois personagens. O destino construiu na união de ambos uma entidade única, como se representassem, ainda que de origens distintas, uma escola que ficará órfã quando deixarem o campo. Representam o triunfo da inteligência e astúcia em um jogo construído sobre a potência física. Brady-Manning vencem não pela força de seus braços, ou velocidade de suas pernas, mas porque são capazes de ler e ver nos segundos que antecedem um "snap" o futuro de uma jogada, quase como videntes.
         Isso é mágico, impressionante, e único. No próximo domingo, apreciaremos esse talento em campo por uma última vez. O desejo é de que seja histórico a altura de ambos. E que independente de quem seja o vencedor, o som seja de aplausos.