sábado, 20 de novembro de 2010

Oração pela vista clara

Pai,
Permita que eu veja e me indigne,
Que cada rosto surrado de dor que me encara como esfinge,
Encontre a resposta de seu enigma, desigualdade


Que minha alma, atônita se atormente,
E que ao acompanhar a dor de um irmão doente,
Meus olhos se encharquem da mais cristalina piedade


Não deixai que meu peito se deite em frio,
Acordai-me, o pai, do sono, num assobio
Feito pelo vento do amor fraterno


Alimente-me com a sabedoria da vida incerta,
Não me deixe esquecer que se hoje, estou debaixo da coberta
Amanhã, posso ser réu do retorno eterno


Senhor, aquecei meu coração
Guiai-me pela tua razão
De fazer o bem, sem olhar a quem


E que assim eu finalmente seja
Tua imagem e semelhança como deseja
Para hoje e todo sempre
Amém.

sábado, 13 de novembro de 2010

A festa acabou

A festa democrática chega ao fim e no apagar das luzes e virar das cadeiras, o momento é de avaliar o que de melhor pode ser aprendido com seus acontecimentos. Muitas lições foram deixadas, ainda que nem todos a quem elas se destinem tenham a disposição de aprender. Nas dualidades da vida, há os que acordarão com cabeças inchadas e doloridas, denunciando a ressaca do que chamam de derrota. Em contrapartida, há os que ainda nem dormiram, e pra quem a festa continua até as responsabilidades chamarem de fato ao trabalho. A nós mortais, garçons deste regalo, cabe mais do que nunca, refletir.


Dilma, a presidenta mulher feminina


O Brasil deu a vitória a Dilma, presidenta do presidente. As manchetes anunciam com gosto, a eleição da primeira presidenta brasileira, fato que merece reflexão. A vitória de Dilma se deve as suas qualidades avaliadas pelo eleitor, das quais o fato de ser mulher não deveria se incluir. Não se pode desejar o fim das diferenciações políticas e sociais entre homens e mulheres, se elevarmos em nível de consideração o sexo de Dilma, assim como é irrelevante considerar qual é sua opção sexual, cor ou posição social. Nunca se viu um candidato afirmando sua masculinidade e fazendo disso argumento eleitoral, cabendo até um exercício de imaginação, quanto à reação de certos segmentos da sociedade caso acontecesse. Diriam: “machismo, hipocrisia, preconceito”. O que de fato seria verdade, tanto quanto o é, afirmar a plenos pulmões a feminilidade de Dilma, dando importância maior a isto, que a seu compromisso, capacidade e inteligência. O presidente é detentor de cargo coletivo, amplo e sem segregações, pensamento que deve partir da própria presidente eleita, a quem cabe a missão de honrar não só as mulheres, a quem faz questão de agradecer pelos votos, mas aos brasileiros como um todo.


Oposição

Estas eleições deram à oposição um pacote de revisões ao qual ela deve, o mais rápido possível, se adequar. PSDB E DEM representam ala mínima que se opõe ao método de governo petista. O DEM, principalmente, precisa injetar finalidade e ideologia em suas bases, perdidas e beirando a extinção. Já o PSDB, deve rever seus pensamentos e aprender finalmente a não ser governo. Unir-se e atrair mais força a coalizão opositora são imperativos, principalmente agora, quando bilhões de verbas públicas serão injetadas nos eventos esportivos internacionais que aqui serão sediados, fator de risco em um país tão corruptível. É papel do Congresso Nacional fiscalizar e orientar este fluxo de investimentos, e lá, PSDB e DEM são minoria, o que os obrigará a subir bastante no caixote se quiserem ser ouvidos com expressão.
O crack interno dos tucanos também deve ser sanado. Polarizações entre paulistas e mineiros só enfraquecem ainda mais a legenda, que também deve rever sua atuação nos estados nordestinos, nos quais encolheu e perdeu força. Para o país, uma oposição frágil em nada acrescenta. Faz bem ao jogo democrático o debate contínuo dos rumos nacionais, e para isso, a oposição precisa se repaginar.


Pesquisas para que?

O processo político brasileiro precisa de reforma urgente, que apalpe desde as questões alicerçais relativas aos partidos e multiplicidade de legendas, até detalhes, não menos importantes, como a regulamentação das pesquisas eleitorais. Não há quem insinue o absurdo de que Dilma e o PT ganharam o pleito presidencial por influência exclusiva das várias pesquisas divulgadas, que sempre mostravam a agora presidente muito a frente do adversário Serra. Isso seria diminuir e menosprezar o trabalho realizado pelo PT, que teve méritos tanto no seu governo quanto na candidatura para continuidade. Ainda assim, é inegável o papel protagonista destas enquetes na última eleição, deixando perplexos mesmo especialistas, com os erros sucessivos, incontáveis e inexplicáveis que se sucederam. Foram tantos e tão crassos, que fica obrigatória uma análise drástica destes procedimentos, quem sabe até de sua finalidade.
É certo que para os comandos de campanha, as pesquisas de intenção de voto representam um norte, que regula o prumo da candidatura. Mas para o eleitor, bombardeado por números que no fim se mostram irreais, não há função clara e definida. É preciso regulamentação e melhoria no processo de pesquisa, aumento do intervalo entre elas, assim como restrição a sua divulgação próxima à votação. Uma atualização dos métodos científicos envolvidos na apuração também é necessária, a fim de diminuir o déficit da margem de erro, que nestas eleições, mesmo quando em boca de urna, foi fatidicamente ultrapassada pela votação real.


Serra


Serra é um grande político. Homem público, dedicado ao trabalho e ambicioso, fator que tende a ser considerado erroneamente negativo, já que ambição também é qualidade, desde que bem medida. Mas só isso não basta. Falta a ele o diferencial, um elemento sublime que não pertence a todos, e que no momento decisivo, desequilibra a balança. Algo que com receio, defini-se carisma. Ética, idoneidade, caráter, são todas características de bons homens públicos e administradores, mas carisma, mesmo entre os bons, poucos tem.
Não é virtude que se compre tão pouco que se conquiste ou ganhe. É poder nato, que nem as mãos de Midas de marqueteiros, pode produzir. Dilma não é um mar de carisma, mas tinha a solução para sua deficiência desde o início da campanha. Fundiu sua imagem a de Lula, que a ela transferiu a simpatia do eleitor. Serra por sua vez, demorou muito a encontrar quem lhe resolvesse a questão, e quando encontrou, foi tarde demais.


Povo

Ao povo, cada ciclo eleitoral representa infinidade de lições a serem aprendidas. É hora de analisar as promessas falsas e as fichas corridas, para quem sabe, depositar novamente no candidato a confiança do voto. Há quem duvide da capacidade intelectual do brasileiro, de seu discernimento e responsabilidade em valorizar de tal maneira seu voto. A favor deste argumento, Tiriricas, Renans, Malufs, Sarneys, Barbalhos e tantos outros. Contra ele, a esperança e a boa fé brasileira.
Destas eleições, esperança e boa fé, esperam melhor proveito do exercício de cidadania. Esperam que os nomes, a quem o voto foi confiado, não sejam esquecidos. Que estejam todos anotados no caderno da memória, e no diário das promessas para que, daqui a quatro anos, quando o ciclo recomeçar, ninguém escape da cobrança pelo que foi desmerecido. E que assim, alimentado o desejo democrático do que é certo, irresponsabilidades, outrora cometidas, não se repitam na boca da urna. Boatos correm que Tiririca se candidatará a presidente da república em 2014. No passo em que estamos quem duvida? Será que melhor do que tá fica? Que os brasileiros dêem a resposta.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Entrevista Eduardo Almeida Reis

O cronista do olhar Tiro&Queda


As confissões do “Philosopho” Eduardo Almeida Reis, um polêmico de “bem com a vida”


Charuto a boca, sentado em sua poltrona com as pernas estendidas sobre amparo, cercado de estantes tomadas por livros e a companhia solitária de uma fotografia do então presidente Fernando Henrique Cardoso, ostentando a faixa presidencial. Esta é a figura de Eduardo Almeida Reis, que se define como um “sujeito de bem com a vida”. “Mau repórter” no início de sua carreira no jornal O Globo, Almeida Reis logo descobriu sua vocação para as crônicas, o que mais tarde, a partir da década de 90, tornar-se-ia hábito diário.

Escritor e hoje membro da Academia Mineira de Letras, o “Philosopho” como se auto-intitula, acaba de lançar novo livro, contando histórias de um amigo falecido ano passado. O Breviário de um canalha, cujo personagem principal, Claudio, envolve-se em trama controvérsia, chegou a ser confundindo com uma autobiografia, fato que o autor faz questão de negar com veemência. “Absolutamente, aquela é a história de um amigo meu!”.

Cronista do Hoje em Dia por quinze anos, e colunista do Estado de Minas há cinco, o jornalista prevê um fim próximo para o jornal impresso, “dizem que dura mais cinco anos”, ao qual também faz críticas e identifica dificuldades, como a falta de novidade. Para seu futuro, planeja participar de um programa na TV Assembléia, segundo ele, dando continuidade às suas “bobagens”. Ao mesmo tempo, não pretende largar o hábito de escrever, que espera manter até que o prazer em fazê-lo se acabe.


Carioca de nascimento, membro da Academia Mineira de Letras. Como Minas entrou na sua história?
Em 1713, um tatatataravô chamado Ambrósio Caldeira Brant foi eleito vereador em São João Del Rey, e a casa dele funcionava como câmara. De lá os quatro filhos dele, Custódio, Felisberto, num sei que, num sei que, saíram e sempre trabalhavam juntos, embora o Felisberto fosse o cabeça. Os quatro foram para Paracatu, ficaram ricos e depois foram ser comendadores em Diamantina. Descendemos do Custódio. Minha família por parte de mãe (Sara Caldeira Brant) toda descende dele. Até recentemente, a única pessoa que havia nascido no Rio era minha mãe. Meu avô era jornalista no Rio. E lá ela casou-se e eu nasci.

Quando começou a obrigação de escrever diariamente?
Eu comecei diariamente em 90, agora, desde 1966 eu tinha crônicas no Globo. Depois, quando eu fui morar na roça em 1970, passei a escrever para oito veículos agropecuários por mês.

O senhor foi cronista do Hoje em Dia, e há algum tempo tem sua coluna Tiro e Queda publicada no Estado de Minas. Uma rotina de escrita literária para um jornal diário é uma atividade que o senhor qualifica em que grau de dificuldade?
É muito mais fácil do que ter uma vez por semana e mil vezes mais fácil que ter uma vez por mês. Porque você senta e faz, não fica esperando ter inspiração. E faz até com certa antecedência, porque, por exemplo, caso precise viajar, você tem que deixar prontas dez matérias aqui, cinco no Correio Braziliense e alguma coisa pra quando se voltar da viagem, apesar de levar meu Laptop.

Qual é o seu método de trabalho? O senhor escreve várias crônicas por dia, escreve a crônica que irá para o jornal no dia anterior, como funciona seu sistema de criação e quais são seus principais alvos?
Nem sempre é em cima da hora. O negócio é preparado. Hoje eu tenho muito envolvimento com o momento, mas o momento também já passou, se eu escrever agora sobre esse meu dedo do pé, amanhã passou a ser ontem. Então o negócio é mais ou menos sobre os assuntos do momento, interpretando, pegando uns ângulos diferentes, engraçados.

Por vezes, a inspiração não veio?
Com certeza, bom se tiver que escrever agora, por exemplo, e não tiver inspiração, tem aquilo tudo ali (apontando para a estante, cheia de pastas encadernadas) que chama “gaveta”. Eu fui colega do Nelson Rodrigues, companheiro dele de redação no Globo, e perguntei ao nosso diretor de redação, que era um cara extraordinário chamado Moacyr Padilha: Como é que o Nelson Rodrigues escreve isso todo dia, se ele tem “gaveta”? Tudo que ta ali, na “gaveta”, é de antes do computador. Tudo recorte colado. Então você vai ali, pega e cozinha um pouco. É raríssimo eu utilizar, nos últimos meses só recorri a “gaveta” acho que duas vezes.

Além de cronista, o senhor exerceu a função de repórter no jornal O Globo. Ser repórter foi penoso para alguém tão cheio de adjetivos no que escreve?
Eu fui mau repórter! Eu num almoço ouvi o João Havelange dizer que o Pelé estava cego, mas que ninguém dizia isso ainda oficialmente e que convocavam o Pelé para a seleção. Eu tinha diversas testemunhas no almoço, inclusive meu pai, que era amigo do Havelange. Se esse troço sai na primeira pagina “Pelé está cego!”, já imaginou? E eu não tive coragem de fazer o negócio, porque o rapaz ta lá ganhando a vida dele, num quis atrapalhar.

Entre letras e palavras, um pecuarista. Como foi esse período? Uma fuga?
Minha mulher, a mãe das minhas filhas, tinha fazenda, continua a ter. E eu trabalhei nas fazendas dela, morei lá e, quando solteiro, tomei conta de fazendas dos outros. Uma até muito grande na fronteira do Paraguai e outra muito grande aqui no Oeste de Minas. Então sempre tive mania de roça, hoje não tenho roça mais. Eu larguei O Globo em 1970 e fui morar na roça, na época tinha salário de subchefe e mesmo assim pedi demissão. É até um emprego que ninguém larga, mas se você não fizer as coisas que quer fazer na hora, não dá.

Um colunista tem que enfrentar rusgas de quem às vezes o lê e se sente ofendido. Suas colunas já lhe renderam alguns desses contratempos? Algum colega jornalista ou colunista?
Ah! sim, muitos, fui processado em R$50 milhões certa vez pelo governo do Amapá. E de vez enquanto tem um leitor que lê e não entende ou lê e entende e entra de sola. Eu acho que nunca tive desafetos jornalistas ou colunistas. Lá no Estado de Minas tinha um sujeito que não falava com ninguém, saiu, processou o jornal. E como ele não falava com ninguém, depois de eu ter dado muito “bom dia” a ele, parei de dar. Mas era um maluco coitado.

Eduardo Almeida Reis é um homem polêmico?
Acho que de certa forma sim. Eu faço muita coisa pra instigar, pegar o aspecto diferente da história. Agora, por exemplo, estava descobrindo, que existem três famílias de plantas, as gramíneas, as leguminosas e as ciperáceas. As ciperáceas tem o caule triangular. Uma das ciperáceas é a tiririca. Da tiririca, nativa do Brasil, se faz um papel transparente da melhor qualidade. E outra ciperácea é o papiro em que se escreveu e pintou durante séculos. Então você vê que essa perseguição ao coitado do Tiririca é uma sacanagem.

“Philosopho” é a melhor definição de Eduardo Almeida Reis, ou há uma melhor possível em uma frase ou palavra?
Philosopho é para evitar o eu, eu fujo como diabo do eu. Rarissimamente eu boto o eu, porque é uma mania de cronista, eu isso, eu aquilo. O cronista é muito voltado para o umbigo né? Em uma frase: Eu sou um sujeito de bem com a vida.

Seu novo livro, “O Breviário de um canalha”, tem Claudio como personagem principal, envolvido em uma trama controvérsia. Em Tiro e Queda, o senhor vive repreendendo os amigos que identificam o livro como uma autobiografia. Há motivos para se pensar que de fato ele é?
Absolutamente, aquela é a história de um amigo meu, que morreu no ano passado. Raríssimas pessoas sabem que ele comeu a sogra. Acho que só eu. Ele me contou uma vez, já maduro bem maduro, a sogra tinha morrido, andando a cavalo no alto de um morro. Então eu não podia escrever o livro antes da morte dele, que ocorreu ano passado, porque caso contrário ele iria se identificar. Não é comum esse negócio de comer sogra.

O senhor vive sozinho. Um ermitão é um homem por vezes mais reflexivo e produtivo ou a solidão não é instrumento de inspiração?
Eu fui casado quatro vezes, e há três anos estou separado da quarta, sou muito amigo, mora hoje nos EUA, está casada com um forte candidato ao prêmio Nobel. Depois de mim, só um Nobel, né? Faz bem estar sozinho, é produtivo. Você estando casado, tem que dar atenção. Então, só, no tempo em que você estaria dando atenção, você pode fazer o que quiser. Você pode, por exemplo, falar sozinho, que é muito gostoso. Você quando fala sozinho tendo uma companheira, ela quer saber o que é que você está falando, e por que falou.

O senhor acredita que o talento, no jornal moderno, é o principal passaporte ou é superado pela indicação?
O talento acaba prevalecendo. Eu acompanhei um curso de Jornalismo de perto, e havia 44 alunos na sala. No terceiro ano, o Marcelo Barreto, que é editor hoje do Sportv, disse: Aqui na sala só eu e a fulana de tal vamos chegar lá. E foi dito e feito. Dos 44 só 2 se destacaram, tão nisso até hoje, a fulana é editora do Globo, e os outros 42, se espalharam. Pode ter algum com esse negócio de assessoria de imprensa, mas o mercado é muito limitado. E o jornal impresso atual, não tem novidade nenhuma.

Como o Senhor avalia a situação do jornal diário, com a concorrência das novas mídias, e a instantaneidade principalmente da internet?
Enquanto tiver essa turma velha, acostumada a ler, e que precisa da leitura, ele sobrevive. Agora, essas novas gerações, essas tão em cima desses aparelhinhos que você lê na hora, num “i” num sei o que. Dizem que o jornal diário ainda vai durar cinco anos. Como eu não vou durar cinco anos, eu estou dentro.

Conciliar literatura e jornalismo, tornando os textos dos jornais mais palatáveis, pode ser uma solução para o resgate do jornal desta crise?
Jornal tem que ter anúncio, esses jornais como Globo, e o Estado de Minas, em concorrência com jornais populares, estão tendo a recompensa agora de que uma página do Super, por exemplo, custa a mesma coisa que uma página do Tempo. Aí vai o anúncio das casas Bahia, Ricardo Eletro, então o sujeito compra o que está ali. Agora, pode ser uma alternativa. Tem um aí do Paulo Cesar de Oliveira (Diretor da revista “Viver”), até o fim do ano, para distribuição gratuita em classe “A A A”. O Lindenberg (ex-diretor de redação do Hoje em Dia) que era do Hoje em Dia ta nessa, a Maria Eugênia, mulher do Carlinini da TV Alterosa, está também. Deve sair agora no final do mês, antes do fim do ano. É um nicho, uma tentativa, não sei como irá funcionar, espero que seja em formato tradicional, porque eu não me adapto muito bem ao tal do tablóide.

A coluna lhe dá a liberdade de expor sua opinião, e isso é visível nas entrelinhas de seu texto. Esse “país grande e bobo” tem jeito?
Tem alguns piores que nós. E muito piores. É uma forma de consolo. Estava vendo um negócio de corrupção. Nós estamos entre 60º e 70º, por aí. Os locais onde há menos é a Dinamarca e a Nova Zelândia. Então se estamos entre 60º e 70º, tem mais 110 pra trás.

Além do olhar exterior, e das opiniões expressas em texto, o Senhor já teve alguma atividade política e/ou filiação partidária?
Nunca. Nunca. Eu lamentei não ter sido expulso do Banco do Brasil, no final de 1969. Na época saiu uma lista de expulsões e pessoas retiradas, com um código. O meu código era diferente, era de pedido de demissão. Se eu tivesse saído com outro código, tinha recebido milhões de indenização hoje.

PT OU PSDB?
Tudo menos o PT.

Serra ou Dilma?
O menos ruim.

O senhor votou ou votaria em Lula?
Nunca votei e não gosto dele. Ele teve todas a oportunidades de estudar, e não estudou.

O senhor leu ou leria Paulo Coelho?
Tentei uma vez na fazenda de um amigo em Francisco Sá, no norte de Minas, o “Diário de um mago”. Quando a espada que ele tava carregando, entrou no sovaco da mulher e ela levantou-se e deu-lhe um beijo sonoro na boca, eu parei. Parei no beijo sonoro, porque nunca imaginei como um beijo na boca pode ser sonoro. Deve ser uma falha minha, porque todo mundo lê, todo mundo gosta, é membro da Academia.

Até quando escrever?
Enquanto estiver sentindo prazer no que faço e gostando do que faço. O sujeito pode sentir prazer numa coisa e não gostar. E eu, por enquanto, curto as bobagens que escrevo. Tenho projeto de um programa na TV Assembléia, falando minhas bobagens por lá também. Quer dizer, a gente vai tentando outras coisas.


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Celebração do tempo

A vida é uma contagem regressiva, ainda que a premissa seja a ação do pessimismo puro. A ampulheta do tempo escorre sua areia ininterruptamente, soterrando erros, sucumbindo projetos, sufocando esperanças. Balões e cores enfeitam festas regadas a bolos e doces, enquanto se aguarda o clímax dos “parabéns”. Crianças, felizes e de sorte, brincam e distribuem sorrisos a revelia no dia de seus aniversários. Aos miúdos, ainda precários na trama densa da vida, as insanidades da comemoração devem ser abonadas. Quem sabe até incentivadas. Mas aos adultos, barbas e cicatrizes, talvez caiba um alerta repressivo.

O aniversário a partir dos quinze, idade em que começam a se consolidar as interpretações na mente, deve ser elevado à condição de alerta, tão menos que de festa. Mais do que o que fizemos, é hora de pensar no que ainda temos que fazer. Se ainda restam muitos débitos, é impossível furtar-se ao pensamento que menos tempo falta para quitá-los. O apagar das luzes se aproxima, e o baile da vida não demora a findar. Menos dias para se arrepender e pedir perdão. Menos tempo para amar e ser amado. Menos banhos de chuva. Menos praia e sol.

Ainda mais causticante que a certeza de que o tempo corre para o fim, é a dúvida de quando é a linha de chegada. Embebidos do cotidiano, no vai e vem do dia, para tudo temos hora, ainda que sem real motivo. Ignoramos a erraticidade do mundo, e os desígnios misteriosos do acaso ou destino. Não nos damos conta que, num piscar de olhos, a luz pode dar lugar ao sono, e a morte nos beijar selando o juízo, condenando o que não coube hoje, a não ter o amanhã. No fim, as dívidas e remorsos se acumularão, e decantarão na eternidade do espírito. É big é big Rá – Tim - Bum.

Receitas, que amenizem as angustias da vida e sua contagem regressiva, existem, mas não são recomendadas. Apostar seu bem maior, que é viver, em proposições alheias não é algo que se recomende. Das muitas que se possa levantar, talvez a que mais se sustente, é a de que o melhor plano é ser inconsequente, beber da vida sem que, pra que ou quando, não deixando desperdiçar uma gota deste frasco, que quanto mais vazio, mais doce fica.

Caso deseje aderir a esta filosofia, cabe anotar os dogmas que anuncia. Não se conte o tempo, só os desocupados o fazem. Tão pouco dê parabéns. No máximo um abraço e o desejo que, àquele a quem a ampulheta divina roubou mais um ano, aproveite o quanto for possível os giros da roda viva que ainda lhe restam. Carpe Diem, compadre. Carpe Diem!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Lagoinha mineira






Tudo vale a pena,
se a alma não é pequena,
se a glória não envenena,
e se o meio não condena.
Obs: Paráfrase de versos famosos da obra prima "Mar portuguez" do incrível Fernando Pessoa.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tiririca, a piada de mau gosto

Passei os últimos dias queimando a mufa a analisar as possíveis respostas racionais para a eleição campeã de Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca, para Deputado Federal pelo estado de São Paulo. Não posso esconder minha decepção com o eleitor paulista. São Paulo, maior estado da nação, terra politizada e cosmopolita, na qual tudo acontece, merecia mais e podia mais. Rascunhei algumas teorias para explicar o acontecido, mas logo percebi que todas convergiam para uma mesma proposição. O brasileiro não tem responsabilidade para o voto obrigatório.

Corriqueiramente se imagina que o voto facultativo é o que exige maior responsabilidade, quando na verdade, se analisarmos a miúde a questão, veremos que é justo o contrário. A explicação é tão simples como corre nas ruas. Se o voto não fosse obrigatório, votava quem quer, e sabe o que quer, e mais, é responsável pelo que quer. Este censo de responsabilidade na votação obrigatória é falho, já que na violência da coerção eleitoral, transfere-se o dolo para aquele que obriga, sendo o resultado das urnas um eco do eleitor a dizer: “façam o que vocês quiserem”.

Uma nova legislação, que determinasse a liberdade de participação do brasileiro na “festa democrática”, da qual hoje ele é o garçom, extinguiria aberrações eleitorais como as do senhor Everardo, afinal, é surreal imaginar que São Paulo o tenha escolhido por acreditar nele um grande representante na câmara federal. O julgamento dos paulistas passa muito mais por um instinto de protesto, como se ao dar seu voto ao palhaço, identificassem nele a figura mais compatível com o cenário político nacional. Este tipo de queixa subliminar, diga-se de passagem, inútil e imbecil, é comum em nosso processo eleitoral, bastando lembrar casos famosos como os dos 400 mil votos para o macaco Tião em 1988 no Rio, e os dos 100 mil no ano de 1959, para o rinoceronte paulista Cacareco, indicado a vereador da cidade.

Além do fator complicador da obrigatoriedade, há também de se considerar a incompetência democrática do brasileiro, que ainda não entende as instituições públicas, não se interessa, e insisti em enxergar (talvez até por culpa do lodo da corrupção que nos envolve), a política como algo estranho a sua vida e que em nela nada interfere ou modifica. Quando muito, faz do pleito eleitoral um jogo de popularidade, como em um reality show, usando o voto como instrumento para provar que fulano ou sicrano merecem mais os louros que beltrano, quando na verdade não há prêmio, e o que está em disputa é trabalho.

No caso do senhor Francisco Everardo, como em outros semelhantes, quem pagará o pato, além do mico já quitado, por sua eleição, será o próprio povo paulista, já que o caminhão de votos recebidos por ele impulsionou outros três nomes de sua coligação, alguns com respingos de lama, por conta do famoso episódio dos 40 ladrões do mensalão. Destes três, talvez se salve Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal responsável pela operação Satiagraha.

Na bancada, não há dúvidas que Tiririca será “carta branca”, como nas brincadeiras de criança, quando se dava este título aquele que não tinha condições de julgar por si ou se defender. Se a partir de sua posse ele se desfizer de seu personagem, apresentando-se como Francisco, talvez aos poucos ganhe alguma credibilidade, ainda que em detrimento ao apoio de seus um milhão, trezentos e cinquenta e três mil, oitoscentos e vinte eleitores, que nele votaram apenas para ver o circo pegar fogo. Caso se mantenha como Tiririca será ridicularizado, e bombardeado por acusações de falta de decoro parlamentar, afinal, como dirão seus excelentíssimos colegas, a presença de um palhaço no plenário achincalha a casa.

Certo é que a eleição do palhaço Tiririca foi uma piada de mau gosto, e só prova nossa incapacidade de atuar no pleito, assim como nossa falta de consciência e entendimento daquilo que é obvio, pois como diriam os sábios, nesta terra se colhe o que se planta.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Profecias de infância - Soneto: Precipito-me; tudo quero; nada sou; nada tenho

Saca-se num rompante a adaga do descrer.
Vê-se à sombra do amor, o ódio a se erguer.
Atira-se contra o patrimônio conquistado sem à mente ferver!
Mas arrepende-se, de repente, tal como é o florescer.

Mede de um pensamento a lembra que eu arfante
outrora quis por fim,
Mas mede da estrela, imenso, o arrependimento
Que estrema unção sede a mim.

Eu quis ser o brio do conquistador,
O cético cheio de amor,
Quis ser a estrela e lua que brilha de manhã.

Eu quis ser o louco lúcido,
O sol em pleno crepúsculo,
Mas sou nada, sou apenas afã!



Nota:


Este soneto me lembro ter sido o primeiro que trabalhei de forma mais dura. Tinha 13 anos quando apresentei-o em uma prova de literatura. Já nessa época ficava claro como a dualidade era marca forte do que eu sou. Nunca mais escrevi sonetos tão duros. Preferi falar de amor.

Profecias de infância - Meu temor

Não temo ficar sozinho, temo a solidão. Solidão é uma aversão, uma aberração, algo inaceitável em uma par de terra tão grande e cheio de diversidade como é o mundo. Estar sozinho pode ser reflexivo, alimentar, conscientizar, mas estar em solidão é a morte sonâmbula. Em solidão, ainda que se ande e coma, respire ou fale, não se está vivo, pois por dentro se é opaco. Sim a solidão é opaca, é um estado da mente do ser, que nebulisa todo e qualquer sentimento, expressão, querer que ele tenha. Solidão é bem mais que não ter ninguém para conviver. Solidão é afrouxar-se da vida, é não ter perspectiva , é paralisar, vegetar a existência, existir sem produzir, sem estar. À solidão eu temo. Temo porque sei que aos rancorosos, ranzinzas que em nada veem cor, ela persegue. Queira o celeste que eu não me torne assim.

Que eu confunda as cores, seja daltônico, mas que não perca o poder de colorir o mundo.
Que eu seja pobre, mas que não perca a riqueza maior que é a poesia, a graça.
Que eu falhe, erre, mas que pelo menos algo faça.
Que eu chore de amor, mas que pelo menos o procure.
Pois só com intensidade, pode-se evitar este mal horrendo, reservado a alguns, como castigo divino, por negarem o dom da vida.



Nota:


Escrevi este texto aos 11 anos. Tenho certeza sobre a idade porque no "Epítafio", os escritos vem acompanhados da data. É incrível como a sabedoria aos poucos me abandonou. Quem dera ter a consciência desses tempos. Se tivesse, lágrimas teriam sido evitadas, assim como erros que me separaram aos montes, de gente a quem devo muitas alegrias.
Bravo menino!

Profecias de criança

Quanto mais puro é a mente e o coração, mais cristalino, na mesma proporção, é aquilo que produzimos. No homem o estado da pureza é o da infância, a qual o mundo não foi suficientemente capaz ,por conta do pouco tempo, de inundar com sua sujeira e lodo. Dizem os Kadercistas que o espírito que desencarna ainda criança, por ter laços ainda frágeis com a terra e seus vícios, pode retornar, se assim for do desejo do criador, com maior rapidez e facilidade ao mundo terreno, sem que seja necessário um processo de limpeza e purificação mais extenso. Esta não é uma sala de perfil, mas me reservo o direito de dizer que creio nisso.

"O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe", como já dizia Jean-Jacques Rousseau, com quem concordo, apesar da proposição não nos aliviar da responsabilidade de decidir se queremos ou não ser corrompidos e também corromper, já que a "sociedade", esta vilã misteriosa, não é nada mais que nós mesmos.

Todas estas linhas introdutórias são para divulgar algumas coisas que escrevi nesse tempo de infância, ao qual o mundo e a vida, como compreendo hoje, eram vizinhos de quem falava mal. Tento fazer deste espaço uma janela produtiva, na qual se possam divulgar palavras, com cuidado lustradas, polidas e modeladas, ao modo do que se possa chamar de literatura. Mas hoje abro exceção e espaço, para dois textos especiais, que não foram editados, recortados ou moldados, simplesmente saíram direto de minha infância e do "Epitáfio", meu caderno de segredos, para cá.

Encerro perguntando a você que supostamente me lê: Quais são as suas profecias de criança?

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Os meninos e a batalha do respeito

Lancem meninos, lancem. Lancem no mistério do ar e do tempo suas esperanças e seus sonhos, que meus olhos acompanharão e ajudarão a rezar pela conquista. Curvem suas mãos e seus dedos e façam girar com carinho seu brinquedo, sua bola laranja, que rateia em parábola até seu ninho desejado, ao passo que a cada chegada, a cada score, se completa a mensagem que pretendem, de que somos mais, podemos mais e seremos mais. Tarde de sete de setembro e meus olhos vigiaram atentos esses 12 meninos, trajados à batalha , pés sobre uma cidade transcendental, que não por obra do acaso, mas pelo destino, viu esta mágica tarde transpor a barreira da eternidade, e tornar-se lajedo perene da história. Liberdade e respeito, brados da independência que outrora neste mesmo dia se ouviu às margens de certo rio, nesta tarde em Istambul eram a vitória.
Os livros ensinam que não se faz uma grande vitória sem um grande adversário. E ele estava presente, não podendo haver outro mais adequado. Não eram meninos como os nossos. Eram homens, carregados de louros e glórias passadas. Sábios dos segredos do jogo. Mentes e corações ardidos e testados, cicatrizes que os fizeram sóbrios das emoções. Também nos olhos tinham o sangue do desejo pela conquista, que para eles tinha sabor diferente, o de demonstrar sua superioridade aos meninos, motivados por rivalidade histórica e eterna.
Palco pronto, a batalha seguiu e não decepcionou os olhos que, em loco ou à distância, acompanharam tensos os vôos da menina laranja. Em quadra, os braços se trançaram na busca pelo espaço. As pernas se esforçaram em seu balé de corridas e saltos. Apreensão, vontade, gana, foram os maestros de meninos e homens, que por épicos 40 minutos, pelejaram à procura da vitória. Esgotaram seus corpos, suas estratégias e ouvidos colados em seus generais, deram seus últimos passos na quadra, à espera que o mesmo destino que com minúcia armou batalha tão fabulosa, fosse justo ao determinar seu vencedor.
Feita a escolha, restou apenas o questionamento da sobriedade do próprio destino. Os meninos perderam e a seus rivais e herói, a tarde coroou com os louros da vitória. Um a um, cabisbaixos, eles deixaram a quadra onde honraram seu suor, molhando-a agora com sua lágrimas. O choro da decepção é sempre inevitável quando se está tão perto e tão longe do que se deseja. Mas não entristeçam meninos e ergam suas cabeças. Durmam, descansem e ao acordar, não desanimem e continuem a lançar o seu brinquedo, pois nesta tarde celestial, vocês conquistaram algo além da vitória, conquistaram a preciosidade do respeito. Guardem consigo nossos aplausos e a certeza de que aonde quer que estejam lançando no ar a sua bola, lá estarão os olhos do seu povo, a pajear o vôo e a rezar, acreditando no que nesta tarde vocês os ensinaram: Somos mais, podemos mais e seremos mais. Lancem meninos, lancem.

sábado, 21 de agosto de 2010

O que há com a música?


Há muito unir palavras e melodias no casamento da canção não se dá da mesma forma. As novas tecnologias de reprodução, a globalização e a multiplicidade pós-moderna mudaram as perspectivas da música, seus atributos e funções, criando réplicas de uma arte se não extinta, fadada ao resumo. A música não é mais artesanal. Integrou-se a uma indústria cultural que a determina, seleciona e compõe. A música brasileira, por exemplo, é quadro permeado destas mudanças, sendo possível enxergá-las claras nas novas gerações de compositores e seus produtos mercadológicos.
Nem sempre foi assim. A música primordial brasileira era intensa, verdadeira e sensível em todas as suas expressões, populares ou não. Comparar passado e presente é tarefa por vezes inadequada, uma vez que se eximem da análise as diferentes condições dos tempos, mas ainda assim confrontá-los determina os rumos e desvios da história. Assim sendo, ao ouvir as novas produções culturais do meio, não há como não pensar em como elas desconsideram a gênese da MPB e seus mestres como Villa-Lobos, intelecto genial e ser humano diplomata, capaz de promover intercâmbio entre bares e salas de recitais, possibilitando através desta união a aparição em cenário nacional de nomes como o de Pixinguinha, que graças à iniciativa de Heitor e a explosão moderna de 1922, viu seu “Carinhoso” ganhar o Brasil e ser aceito. Impossível não lembrar este passado e achar desrespeitoso o presente, quando o popular é popularesco e se restringe a isso.
Justiça feita, ainda há aqueles que relevam a densidade musical. Tentam imprimir a ela uma dualidade que atenda a sua expressão artística e também ao mercado. A esses operadores do “Double Code” paira o infame rótulo de “alternativos”, considerando-se “alternativa” a música artesanato e não manufaturada, quando o certo seria justo o contrário. Apesar de válida esta opção dualista é impossível, já que a confluência existe, mas não em paridade. O mercado sempre pesa mais. Vender ou satisfazer a alma? É possível negar a sedução do estrelato e da fama? Falar o que é preciso ou o que querem ouvir? A resposta é óbvia. Está nas prateleiras, nas raras lojas de CDs, no mercado fonográfico e na avalanche da internet. Ter um “hit” é realizar-se, ainda que por 15 minutos, tempo mais que suficiente para que o que a pouco era novidade, tornar-se obsoleto.
Não se pode apontar apenas um culpado para a degradação dos conceitos como o de música que vivemos. Trata-se de uma conjuntura de fatores. O pós-modernismo deu a sua colaboração, promulgando a liberdade de subjetivação, a multiplicidade de gêneros e a promiscuidade do gosto. A globalização injetou parâmetros culturais alheios, principalmente norte-americanos, fazendo nascer os cultos às celebridades instantâneas e o vício da fama, além de reafirmar os conceitos capitalistas associados também a cultura. A tecnologia e a capacidade de reprodutibilidade fizeram perder-se no éter do esquecimento a “aura” da obra artística, alerta dado por Benjamin e Adorno e confirmado nos tempos atuais, nos quais não há barreiras para se possuir o conteúdo que se deseja, sendo possível portanto, escolher o que de cada compositor se quer ouvir, em uma seleção que tende ao que é tido como sucesso pelo julgamento midiático. Georg Simmel, sociólogo alemão, caracteriza o indivíduo de metrópole como racional, regido por uma dinâmica que não o permite ter com o universo que lhe rodeia uma relação íntima e visceral. Contudo, conclui-se que o produto de seu intelecto, como ele, também o seja e isso também é fator relevante na conjuntura causal da decadência da música. A candura conservou-se apenas no interior, em cidades menores, das quais os filhos compositores ainda são capazes de atingir o sentimento.
Todas estas mudanças nas diretrizes da produção artística, em especial a musical, tem conseqüências não só no que diz respeito à arte, mas também no comportamento social. Em recente documentário sobre o festival da canção da TV Record de 1967, Edu Lobo, ganhador do concurso com a obra “Ponteio”, disse que o grande gancho das canções e o que as fazia vitoriosas eram as críticas subliminares a ditadura e a repressão. Era preciso habilidade e capacidade para produzir uma canção que fosse verdadeira e competitiva. Eram tempos de estudantes ativos e de luta contra o fantasma militar. Caso hoje houvesse um festival parecido, quais seriam os temas? Qual seria a receita de uma canção vitoriosa? Certamente não teriam temas políticos, tão pouco tangeriam as verdades da essência humana, como Chico Buarque em “Roda Viva”. A verdade é que à medida que a densidade das canções se esvaiu, e o mimismo tornou-se pressuposto de sucesso, também nos jovens e naqueles a quem a música influencia decaiu o desejo por uma música engajada, capaz de falar , ainda que com simplicidade, do âmago humano. Hoje os temas se restringem a sexualidade (que sempre foi objeto de arte, mas não de forma exclusiva) ou aos dramalhões românticos, que tem seu valor, mas não o mesmo de antes, já que se repetem. Zuza Homem de Mello, musicólogo e crítico musical dos mais respeitáveis, perguntado sobre o que as gerações futuras ouvirão, responde: “Ora, os grandes e eternos compositores brasileiros, como sempre. Não pense que eles trocarão o Chico ou o João pelo Zezé ou pelo Fiuk”. De fato, como construíram sua história sobre estrutura frágil, feito areia à beira-mar, muitos dos novos serão esquecidos. A pena é que, neste passo, certamente serão substituídos por outros, à procura de fama e dinheiro. E a verdadeira música? Jaz em paz nos braços dos mestres...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Brasil adulto

Nascemos vira-latas, filhos bastardos de uma colonização inoperante, criados ao sol e aprendendo a cabresto as lições da vida. Somos marginais, letrados na arte do jogo de cintura e da maracutaia, jeitinho que arredonda a vida e preenche as lacunas dos deficientes padrastos que nos foram dados.
Por crescer assim, sem limites, sem eira nem beira, menino homem que se criou só, o Brasil conserva em si uma anarquia de praia, uma alegria inconsequente, que só agora, pouco a pouco, vai sendo suprimida pelas responsabilidades da nova fase madura. Passamos pela adolescência colonial e pré-democrática e agora, aos 510 anos, somos recém postulantes a fase adulta, na qual já não cabem as volúpias de outrora. O tempo, a vida e as pedras, nos ensinaram os caminhos da harmonia e do equilíbrio. Criamos responsabilidades, construímos a nossa casa aos moldes democráticos e hoje podemos dizer que temos um futuro.
É certo que ainda não somos autosuficientes. Vez ou outra os antigos demônios nos perseguem, e tentam como cupins corroer as vigas que a duras penas erguemos. Mas desespero, já não se tem. Ainda que os tombos venham e deixem suas marcas, aprendemos cedo que cair é da capoeira, e se levantar é do vencedor. No fundo, acho mesmo é que aprendemos a ser otimistas e jamais perder as esperanças. O que não admira, pois se assim não fosse, teríamos sucumbido à ação cruel do destino. Olhar para o Brasil moderno é verificar um homem, que já não depende de heróis. Sugou deles a fibra e o caráter e pretende por si só caminhar rumo aos seus objetivos.

Por vezes descriminado, subjugado e deixado em segundo plano, hoje já se pode ouvir da boca brasileira suas próprias opiniões. Ainda lentas, murmuradas, em formação, mas próprias. Democracia para dentro e para fora, conceito que aos poucos se assimila. Ao passar as mãos sobre a derme histórica deste gigante varonil, é impossível não notá-la as cicatrizes. Elas existem e os monstros também. Olhá-las nos encoraja e não assusta. Encará-los talvez nos assuste, mas alerta. Já somos grandinhos, homenzinhos feitos. O tempo do medo ficou pra trás.

No coletivo.



Dias incontáveis da vida se decorrem dentro de um lotação, fica inevitável - até matemático - a contabilidade de inúmeras aventuras. Aventuras por vezes efêmeras, promíscuas, mas não por isso menos marcantes, ainda que a marca se desfaça com um sopro leve do tempo.
Tomei o ônibus na mesma altura de sempre. O sol estava bravo. Sinal; escada; entrei. Com os olhos, busquei achar vazia a cadeira que mais gostava. Era no canto, logo atrás de uma placa de acrílico e nada convidativa a conversas, quase uma solitária, salvo apenas pelo fato de ser geminada a outra. Não sou dado a conversas em ônibus, prefiro olhar a rua (preferiria ler, mas me enjôo), olhar as pessoas, seus olhos que seguem o nada, seus corpos jogados na correnteza do cotidiano. O sacolejo, as paisagens, o cheiro de gente, a sinestesia que envolve o momento são convidativos a este tipo de reflexão. Sou mineiro, refletir é o que faço.
O ônibus para. Pessoas entram. E perdido entre o tudo e o nada sou incomodado e invadido por um perfume feminino doce-amadeirado, tradicional, mas com um “que” diferente, uma pitada maliciosa de “me procure” ”me olhe”, irresistível! Não olhei, tive medo de perder o pensamento.
O local ao meu lado continuava vago, para gozo de meu subconsciente que gostaria que ele assim permanecesse. Não permaneceu, tragédia! Sentou-se ao meu lado aquele perfume de base tradicional, mas provocativo, certamente característica dada a ele (lei do perfume) pela pele que o embebia. Era tão insinuante, tão malino, que não pude me furtar. Belisquei com o canto do olho aquela a quem ele pertencia. Foi um encanto. Sua pele era alva, de rosto cândido, cravejado por um par de esmeraldas. O cabelo feito em coque deixando à mostra a nuca - parte mais sensual da mulher - escorregando até o colo, decotado, exalando o frescor de fruta madura. Trajava um vestido moderno que alumbrava as pernas, torneadas sob medida, findando nos pés delicadamente calçados em leve sapatilha. Como era linda! Fui encurralado e tomado por devaneios. Aonde iria? O que faria? Como se chamava? Isabela talvez. Suas mãos delicadas repousavam sobre a perna. Como queria pegá-las, beijá-las. Não por amor, nem por paixão, o sentimento que me invadia era diferente, era desejo estranho por algo eterno, como semente que busca solo e atenção para crescer e florir.
Procurava por reflexos seus na placa de acrílico e na janela, à espera de mais detalhes. Ela se mantinha inerte. Acariciava os cabelos e bolinava o nariz. Com calor do era verão que transpassava a janela, deslizava a mão na nuca buscando por gotículas de seu néctar orvalhado. Eu, por minha vez, me eximia em posições e expressões que me mostrassem interessante. Passava a mão no queixo, arrumava o cabelo, ao aguardo que a pose a fizesse pensar: “Que rapaz galante, porque não falar com ele?”. Em vão. Ela continuava dura, abstrata, fria. Cheguei a cogitar a possibilidade de lhe falar, mas não havia por que. Não se tratava de falta de coragem, era questão de finalidade. Por que falaria com ela? Não conhecia se quer o nome (Carolina talvez). O que sabia a seu respeito era que sentia calor, tinha mania de balançar os pés (pude perceber o gesto durante toda viagem) e que era meiga, feita em charme, o que pude concluir a partir da visão de suas pernas cuidadosamente cruzadas, fato incomum e não inerente às mulheres contemporâneas, principalmente quando estão em coletivos. Mais nada. Que proposta teria eu para ela? E ela corresponderia a um “oi” despropositado? Pelo visto não.
Continuava lá, sem dar a mínima brecha. Revoltei-me com a situação. Inclinei-me a raiva. Tranquei o rosto transparecendo o mais sério possível. Como se ela não existisse, como se tudo que eu quisesse fosse chegar o mais rápido possível (mentira). Devolvia neste instante o descaso com descaso. Não daria bandeira. Pena; fraco, falhei. Ocorre que a curva era muito fechada, e levemente seu braço se chocou com o meu, seguido o acidente de um augusto: ”Perdão”. Não houve meios, tive que perdoar. Sua voz era tão cálida, tão cautéria, que travou minha língua e pescoço. Apenas pasmo, bobo e ridículo acenei com a cabeça, querendo dizer: ”não por isso”. Estava perdido, havia desperdiçado chance imensurável de dar vazão ao avassalador sentimento, quem sabe arar a terra para a semente. Não o fiz. Sobrou-me então uma última chance, a última cartada: o desembarque.
Preparei-me mentalmente para o evento. Pensei em alguns galanteios, para dizer-lhe na hora de lhe pedir licença para sair do banco. ”Desculpe-me incomodar Dalva estrela, seu encanto é viciante, mas devo descer, poderia dar-me licença?” “Por favor, lindo querubim, eu bem que não gostaria, mas vou ter que descer e assim correr o risco de não ver-te mais, ainda sim, deixe-me passar?”. A segunda ganhou. Arrumei as sobrancelhas, molhei os lábios (sempre molhamos quando queremos parecer sensuais), tomei ar, ensaiei mais uma vez na mente o galanteio e fui. Virei em sua direção. Foi fatal. Não suportei. Meus olhos encontraram os seus como se o tivessem feito com os da própria Medusa. Fiquei petrificado. Pálido. Não tive reação. Restou-me apenas um resquício lúcido de cuspir (acho até que com saliva) atabalhoadamente um “cença”. Assim mesmo, comprimido, tremulo, intimidado.
Levantei. Dei sinal. Ela curvou-se para o lado. Pude notar pela última vez suas pernas e a sombra de seu nariz fino e delicado. Caminhei até a porta. Saltei. Busquei o fôlego uma, duas, três vezes. Pronto. Descerra-se a bandeira do amor. É hora de bater ponto. Fui.