quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O esporte brasileiro pós olimpíada

Há algum tempo manifesto crítica à organização do esporte brasileiro, disposto em sistema de federações arcaico e oligárquico, reduto de pessoas autoritárias que fizeram ali seu refúgio, a fim de se perpetuar no poder. A fraca gestão se observa na ineficiência da aplicação dos recursos; isso quando não se dissipam num limbo obscuro e impalpável. Apenas recentemente olhares mais crônicos se voltaram para essas instituições, e sem surpresa, acabaram por revelar esquemas de desvio e corrupção. A CBF é mãe-mestra dessas, esgoto que mancha o esporte futebol desde Havelange.
Voltando ao esporte. O que defendo como tese é que o problema fundamental do esporte brasileiro não está na falta de orçamento, mas especialmente na sua organização e planejamento. Desde os governos Lula e Dilma, com as bolsas para atletas, a estruturação do Ministério do Esporte e a alavancagem de parcerias e patrocínios, o aporte de investimento no esporte de alto rendimento aumentou consideravelmente, a níveis que impressionam em comparação com outros países. 
Dois exemplos comprovam o argumento que aqui coloco. A universidade americana de Stanford, sozinha, obteve 25 medalhas nas olimpíadas do Rio 2016. Seis a mais que o Brasil. Seguindo a linha, ao analisarmos o investimento feito no atletismo brasileiro, que nos deu apenas uma inesperada medalha nos jogos, observamos que este teve orçamento maior que o atletismo americano, da Jamaica ou do Quênia. Sim, gastamos mais que o atletismo dos Estados Unidos, e mais que o atletismo do Quênia e da Jamaica somados, sendo que todos estes obtiveram resultados expressivamente melhor que os do Brasil. Fica claro então que temos dinheiro para gastar, e gastamos muito, só que mal.
Tenho alma de atleta, apaixonado pelo esporte, e por isso, tenho certeza que os atletas de verdade reconhecerão que após o fraco desempenho de modalidades com alto investimento, como a natação e o atletismo, eles também devem ser cobrados. Mas essa é a ultima ponta, a cobrança é natural, mas não soluciona.
Imagino que inverter o pólo de investimento, trazendo recursos maiores para a base, aumentando a taxa de amostragem e massificando o esporte como pilar da descoberta de novos talentos, seja a principal revolução. Somos privilegiados por um biótipo e diversidade que podem contemplar quaisquer modalidades. 
Outra solução, que já vem apresentando resultado, é o fluxo de conhecimento de especialistas, com a contratação de profissionais estrangeiros com conhecimento técnico na área. O treinador de Thiago Braz, medalhista de ouro no salto com vara, é estrangeiro, e reconhecido como um dos grandes nomes do esporte. Essa troca de informação e experiência é extremamente benéfica, e também utilizada por outros países. O treinador da dupla italiana masculina de vôlei de praia, finalista nas olimpíadas, é brasileiro. Nada mais natural, já que nesse esporte somos expoente. 
Dedicar preocupação, engenho e investimento ao esporte nunca pode ser secundário. Os ícones criados pelo esporte são capazes de incentivar uma cultura positiva na sociedade, criando novas perspectivas de transformação social, ascensão e educação. Isso cria espaço para que novos “Isaquias’ desabrochem e mostrem seu valor. 

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A remissão dos pecados e o "vale-consciência"


Há uma premissa de culpa no modo como vivemos. Ela nos compele à busca de remissão. Os pecados nas suas várias acepções e densidades travam os passos da consciência, que mesmo leviana, custa a se livrar de uma auto censura que incomoda e perturba. Nesse contexto, a religião se apresenta como forma de lavagem dessas cismas, um trajeto de libertação, pelo qual é possível se sentir livre para viver, quites com o sagrado e com a própria consciência.
 O discurso religioso perpassa a ideia da redenção como linha condutora da "re-ligação" do homem e do sagrado, de maneira tal que é intrínseco aos seus dogmas e ritos o trabalho a ser realizado para se ver livre de débitos morais. A ideia de remissão subentende uma conversão moral profunda, tal como uma correção de rota, no que tange a postura em relação à vida, a sociedade e aos atos que aqui se realizam em responsabilidade. Essa reformulação exige, daquele que se compromete religiosamente, dedicação proporcional aos débitos que pretende redimir. Religar-se com o sagrado torna-se aí tarefa não meramente protocolar, mas de revisão densa, tempo que nem todos estão dispostos a doar.
Qual a solução? Preciso me redimir, mas como é praxe na natureza humana, quero alcançar esse livramento da maneira mais simples possível, e com menor esforço. Como farei?
Entendendo a necessidade do homem de ser prático, a construção do discurso religioso dispõe brechas, para que através do cumprimento ritual se esteja em dia com o divino, livre da repreensão moral, ao mesmo tempo em que se resguarda tempo e vontade para outras dedicações menos nobres. A essas brechas chamo aqui de “vale – consciência”, presentes de forma variada em um apanhado considerável de religiões, muito embora em algumas, causem mais polêmica e estranheza que em outras.
Assumindo os cultos afro-brasileiros como um grande segmento religioso, observa-se com naturalidade como a substituição da remissão verdadeira pelos “vale – consciência” se desenvolve. Através do rito, na manipulação das ervas, de elementos da terra, e de toda a magia ali compreendida, é possível por meio de um banho de folhas estar em sintonia com o sagrado, e assim quites com suas obrigações. É rotineiro que se visitem templos de culto afro-brasileiro em busca de uma solução rápida para suas contendas, de um estalar de dedos que faça com que tudo aconteça, ou de um amuleto que livre do mal e de suas perseguições.
A praticidade da oferta gera demanda, numa lógica que flerta sempre com a do mercado. O comércio de “vale – consciência” é uma realidade, vívida e regente. Há quem assuma esse comércio de forma declarada, quem cobre valores materiais para satisfazer a necessidade de outrem em ter seus problemas resolvidos, ou sua consciência aliviada. Há quem o faça de forma velada, mas ainda assim nítida. Não seria a oferenda na casa de santo ao orixá guardião uma forma de ter parte dos débitos quitados? Não seria o amuleto comercializado, mesmo a baixo custo, na Umbanda, um modo de oferecer de forma prática, alívio aos mal feitos? A religião atende ao homem naquilo que ele mesmo requer. E por assim dizer, não há culpa nela, e sim na maneira como a vemos.
Nos templos protestantes, causa indignação a alguns a forma como a circulação de dinheiro e bens norteiam o compromisso com o sagrado. A verdade, é que tal como os ritos nas casas de santo, ou terreiros de Umbanda, aqui também se encontra apenas um meio de ter os pecados redimidos de forma prática e indolor. Se doando ao meu templo compromissos financeiros mensais me mantenho em dia com Deus e com meus pecados, por que não? Afinal, é apenas dinheiro, e não há nada mais prático que ele.
É, portanto, incompreensível ter para com esta prática menor consideração, ou mesmo destiná-la de prévio à corrupção. A corrupção que envolve ou não a administração dessas quantias não serve de justificativa para desqualificá-las, uma vez que são apenas a reprodução da vontade humana de conforto, facilidade e menor esforço.
É bom que se diga que esse mesmo grosso religioso oferece em seu cerne meios reais para assimilação da verdadeira redenção, da conversão moral e da vida honesta. Os ritos ou métodos apenas aparecem como paliativos ou introduções a um caminho de vida em comunhão com o divino. Não há redenção moral sem esforço verdadeiro, sem lapidação incessante, encarando a si mesmo em suas chagas, ainda que doa.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Velho Chico: primeiras impressões


    Escrever uma novela é, sobretudo, administrar o silêncio. Não apenas o silêncio literal, mas a sugestão metafórica da elipse, no enredo, na imagem que se vê e a que se imagina, no jogo de esconde que faz a história acontecer nos seus detalhes, dentro da cabeça de quem assiste. Primeiro capítulo de Velho Chico, novela de Benedito Ruy Barbosa, da qual comentei aguardar com certa ansiedade pela sugestão das chamadas; e já me conquistou.
       Nada de diálogos agônicos de personagens consigo mesmo, tentando preencher explicativamente o enredo na mente da audiência. Nada de falas sem propósito, ou da linearidade chata de imagens contextuais. Tudo conciso, indicativo, sugestivo, sedutor. A história não está entregue, mas as iscas certas lançadas. Parece exagero dizer apenas com o primeiro capítulo, mas o fato é que diante de outras produções do mesmo gênero, isto é inédito e empolgante.
        A fotografia é um ponto alto. Lindíssima! O sertão amarelo, mas com tons vivos, turquesa, azul, vermelho, margeados por verdes salpicados. É seco e vivo. É desigual. É pobre e é rico. Tal como o Brasil dos coronéis. A contraluz dá a ideia de sofreguidão e nostalgia da casa do Coronel. A luz direta que irrita os olhos do personagem de Chico Diaz transmite a luta para sobreviver no semi-árido.
         A trilha é fundamental. Abre com Tropicália, música de Caetano, que nos conduz a história e enche de expectativa, escolha perfeita para representar a época. Chama atenção a trilha incidental que acompanha todas as cenas, sem exceção, no silêncio e nas falas, também uma novidade. De certa forma, me pareceu exagerada, o que não quer dizer que tenha sido mal feita, pelo contrário.  Como dois e dois merece parêntesis pela empatia com a personagem, e por nos lembrar que ninguém faz música como Caetano.
           Textos são como perfumes que reagem à pele, e só depois ganham vida. A pele, nesse caso, são os atores, que são quem de fato fazem tudo acontecer. Esse é um tópico que carece mais tempo para ser avaliado, mas de pronto, tudo pareceu se encaixar.

Espero não ser iludido. Acho que dessa vez acertaram.  

sábado, 12 de março de 2016

Sobre amizade: aos amigos com carinho

Durante boa parte da infância morei com minha avó, apreciadora de música, especialmente brasileira e popular. Era tradicional, especialmente aos domingos, ouvir Agepê e sua voz encorpada, e em seguida Gonzagão e seu baião, ao som do qual, inclusive, ela fazia questão de me dar aulas de forró. Os sons daqueles vinis preencheram minha ideia de música durante a tenra infância, período em que as fitas cassete foram engolidas pelos CDs, caros, e de difícil acesso. 
Lembro com frescor o primeiro fim de semana que passei na casa do meu além-amigo Loureiro. Ainda era infância, e entre as coisas novas que ele me apresentava em sua casa, fez questão que eu ouvisse a banda inglesa Led Zeppelin. Era tão diferente! No começo estranho, como se aquilo não se encaixasse no meu ouvido. Foi assentando aos poucos, até que ouvi Since I’ve been loving you, e as descobertas se multiplicaram. Era lindo! Forte, denso, melancólico, ainda que eu não entendesse mais do que o título da canção. As descobertas se sucederam (The Doors, The Who, Pink Floyd, entre outros) estendendo meus horizontes. Em dias que a alma grita: Led! Em dias que o coração lembra: Cartola! Tudo teve e tem uso em mim.
Conto essa história, porque a vejo como uma metáfora (pessoal) para o valor e a função da amizade. Duas almas que se cruzam e colaboram entre si, de tal maneira que não se possa falar de quem uma é sem mencionar a outra. Tornam-se causa e efeito, mutuamente, de personalidades que descrevem destinos sempre na direção do bem. 
É uma bênção! E deve ser louvado assim. Quem seria eu no mundo sem amigos? O que a vida teria feito de mim e o que eu devolveria a ela? A amizade é uma verdade transcendente, um bálsamo da alma, um pão da vida. 
 A todos os meus amigos, com orgulho de usar o plural, a gratidão sincera de quem vos ama. 

PS: aos dois - Semper Fidelis. Obrigado!

domingo, 24 de janeiro de 2016

Dois heróis e o triunfo da inteligência


        A despeito do marketing, publicidade e poder financeiro, o talento, o diferente, o exímio, continua a ser a forma mais eficaz de se angariar fãs e promover um esporte. O fetiche que envolve a aura do genial é de fascínio contagioso, capaz de transformar aquele que por vezes ignora as minúcias de um jogo em fiel seguidor, dando início ali a uma nova paixão. 
        A final da conferência americana no próximo domingo, entre Broncos e Patriots, é uma ode a dois personagens que sintetizam a potência fascinante do gênio. Tom Brady e Peyton Manning, “QBs” de Patriots e Broncos, já se enfrentaram 16 vezes, com vantagem para Brady de 11 vitórias. Este décimo sétimo encontro pode ser o derradeiro, o que traz à partida uma carga histórica substancial.
          Voltando ao ano 2000, seria impossível prever essa rivalidade e sua importância para o esporte. Ao pé da letra, aconteceu e só! Bem como são as coisas magnânimas. Manning desde a faculdade tinha um futuro brilhante anunciado. Foi a primeira escolha do draft de 1998 pelos Colts, considerado desde antes um dos maiores prospectos da história da liga. Dois anos depois, na lista dos passiveis de escolha, Brady era apenas um patinho feio. Foi escolhido apenas na 6ª rodada, a de número 299 pelos Patriots, que queria um reserva. Sua baixa popularidade no draft era fruto da sua avaliação física, abaixo dos demais. Era lento, pouco ágil, um “QB” que precisaria de um jogo específico, e que nem todos estavam dispostos a apostar. Estava assim, fadado a reserva, sem muita esperança.
        Numa reviravolta do destino, ganhou uma chance com a contusão do titular, e a aproveitou de maneira brilhante, não saindo mais do time. Inteligente e habilidoso nos passes, convenceu o técnico a formar um esquema que lhe favorecesse, surgindo daí uma química que continua fazendo história. De anti-herói, tornou-se o homem a ser batido, o que levou a inevitável comparação com Manning, outro gênio da posição. As discussões sobre quem era melhor, e os confrontos anuais, movimentaram fãs ao redor do mundo. Manning versus Brady tornou-se uma competição a parte, sem precedentes na NFL.
         Ironia, o corpo desajeitado e lento de Brady mostrou-se mais resistente aos anos, dando a ele condição de manter seu nível formidável. Já o de Peyton Manning sofre com o desgaste, parecendo admitir não estar mais disposto aos esforços e rotinas de um esporte muito físico. Essa disparidade física faz com que alguns classifiquem esse último confronto como um Davi contra Golias, o que na frieza das análises, pode encontrar respaldo. Mas na verdade não!
         Não há mocinho e vilão, nem herói e anti-herói quando se trata desses dois personagens. O destino construiu na união de ambos uma entidade única, como se representassem, ainda que de origens distintas, uma escola que ficará órfã quando deixarem o campo. Representam o triunfo da inteligência e astúcia em um jogo construído sobre a potência física. Brady-Manning vencem não pela força de seus braços, ou velocidade de suas pernas, mas porque são capazes de ler e ver nos segundos que antecedem um "snap" o futuro de uma jogada, quase como videntes.
         Isso é mágico, impressionante, e único. No próximo domingo, apreciaremos esse talento em campo por uma última vez. O desejo é de que seja histórico a altura de ambos. E que independente de quem seja o vencedor, o som seja de aplausos.