quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Celebração do tempo

A vida é uma contagem regressiva, ainda que a premissa seja a ação do pessimismo puro. A ampulheta do tempo escorre sua areia ininterruptamente, soterrando erros, sucumbindo projetos, sufocando esperanças. Balões e cores enfeitam festas regadas a bolos e doces, enquanto se aguarda o clímax dos “parabéns”. Crianças, felizes e de sorte, brincam e distribuem sorrisos a revelia no dia de seus aniversários. Aos miúdos, ainda precários na trama densa da vida, as insanidades da comemoração devem ser abonadas. Quem sabe até incentivadas. Mas aos adultos, barbas e cicatrizes, talvez caiba um alerta repressivo.

O aniversário a partir dos quinze, idade em que começam a se consolidar as interpretações na mente, deve ser elevado à condição de alerta, tão menos que de festa. Mais do que o que fizemos, é hora de pensar no que ainda temos que fazer. Se ainda restam muitos débitos, é impossível furtar-se ao pensamento que menos tempo falta para quitá-los. O apagar das luzes se aproxima, e o baile da vida não demora a findar. Menos dias para se arrepender e pedir perdão. Menos tempo para amar e ser amado. Menos banhos de chuva. Menos praia e sol.

Ainda mais causticante que a certeza de que o tempo corre para o fim, é a dúvida de quando é a linha de chegada. Embebidos do cotidiano, no vai e vem do dia, para tudo temos hora, ainda que sem real motivo. Ignoramos a erraticidade do mundo, e os desígnios misteriosos do acaso ou destino. Não nos damos conta que, num piscar de olhos, a luz pode dar lugar ao sono, e a morte nos beijar selando o juízo, condenando o que não coube hoje, a não ter o amanhã. No fim, as dívidas e remorsos se acumularão, e decantarão na eternidade do espírito. É big é big Rá – Tim - Bum.

Receitas, que amenizem as angustias da vida e sua contagem regressiva, existem, mas não são recomendadas. Apostar seu bem maior, que é viver, em proposições alheias não é algo que se recomende. Das muitas que se possa levantar, talvez a que mais se sustente, é a de que o melhor plano é ser inconsequente, beber da vida sem que, pra que ou quando, não deixando desperdiçar uma gota deste frasco, que quanto mais vazio, mais doce fica.

Caso deseje aderir a esta filosofia, cabe anotar os dogmas que anuncia. Não se conte o tempo, só os desocupados o fazem. Tão pouco dê parabéns. No máximo um abraço e o desejo que, àquele a quem a ampulheta divina roubou mais um ano, aproveite o quanto for possível os giros da roda viva que ainda lhe restam. Carpe Diem, compadre. Carpe Diem!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Lagoinha mineira






Tudo vale a pena,
se a alma não é pequena,
se a glória não envenena,
e se o meio não condena.
Obs: Paráfrase de versos famosos da obra prima "Mar portuguez" do incrível Fernando Pessoa.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tiririca, a piada de mau gosto

Passei os últimos dias queimando a mufa a analisar as possíveis respostas racionais para a eleição campeã de Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca, para Deputado Federal pelo estado de São Paulo. Não posso esconder minha decepção com o eleitor paulista. São Paulo, maior estado da nação, terra politizada e cosmopolita, na qual tudo acontece, merecia mais e podia mais. Rascunhei algumas teorias para explicar o acontecido, mas logo percebi que todas convergiam para uma mesma proposição. O brasileiro não tem responsabilidade para o voto obrigatório.

Corriqueiramente se imagina que o voto facultativo é o que exige maior responsabilidade, quando na verdade, se analisarmos a miúde a questão, veremos que é justo o contrário. A explicação é tão simples como corre nas ruas. Se o voto não fosse obrigatório, votava quem quer, e sabe o que quer, e mais, é responsável pelo que quer. Este censo de responsabilidade na votação obrigatória é falho, já que na violência da coerção eleitoral, transfere-se o dolo para aquele que obriga, sendo o resultado das urnas um eco do eleitor a dizer: “façam o que vocês quiserem”.

Uma nova legislação, que determinasse a liberdade de participação do brasileiro na “festa democrática”, da qual hoje ele é o garçom, extinguiria aberrações eleitorais como as do senhor Everardo, afinal, é surreal imaginar que São Paulo o tenha escolhido por acreditar nele um grande representante na câmara federal. O julgamento dos paulistas passa muito mais por um instinto de protesto, como se ao dar seu voto ao palhaço, identificassem nele a figura mais compatível com o cenário político nacional. Este tipo de queixa subliminar, diga-se de passagem, inútil e imbecil, é comum em nosso processo eleitoral, bastando lembrar casos famosos como os dos 400 mil votos para o macaco Tião em 1988 no Rio, e os dos 100 mil no ano de 1959, para o rinoceronte paulista Cacareco, indicado a vereador da cidade.

Além do fator complicador da obrigatoriedade, há também de se considerar a incompetência democrática do brasileiro, que ainda não entende as instituições públicas, não se interessa, e insisti em enxergar (talvez até por culpa do lodo da corrupção que nos envolve), a política como algo estranho a sua vida e que em nela nada interfere ou modifica. Quando muito, faz do pleito eleitoral um jogo de popularidade, como em um reality show, usando o voto como instrumento para provar que fulano ou sicrano merecem mais os louros que beltrano, quando na verdade não há prêmio, e o que está em disputa é trabalho.

No caso do senhor Francisco Everardo, como em outros semelhantes, quem pagará o pato, além do mico já quitado, por sua eleição, será o próprio povo paulista, já que o caminhão de votos recebidos por ele impulsionou outros três nomes de sua coligação, alguns com respingos de lama, por conta do famoso episódio dos 40 ladrões do mensalão. Destes três, talvez se salve Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal responsável pela operação Satiagraha.

Na bancada, não há dúvidas que Tiririca será “carta branca”, como nas brincadeiras de criança, quando se dava este título aquele que não tinha condições de julgar por si ou se defender. Se a partir de sua posse ele se desfizer de seu personagem, apresentando-se como Francisco, talvez aos poucos ganhe alguma credibilidade, ainda que em detrimento ao apoio de seus um milhão, trezentos e cinquenta e três mil, oitoscentos e vinte eleitores, que nele votaram apenas para ver o circo pegar fogo. Caso se mantenha como Tiririca será ridicularizado, e bombardeado por acusações de falta de decoro parlamentar, afinal, como dirão seus excelentíssimos colegas, a presença de um palhaço no plenário achincalha a casa.

Certo é que a eleição do palhaço Tiririca foi uma piada de mau gosto, e só prova nossa incapacidade de atuar no pleito, assim como nossa falta de consciência e entendimento daquilo que é obvio, pois como diriam os sábios, nesta terra se colhe o que se planta.