terça-feira, 3 de dezembro de 2013

E quando se sabe o final? O suspense e a ausência dele

Umas das principais queixas de quem assisti a jogos de futebol em bares são os ouvintes de radinho. Uma questão técnica faz com que o sinal do rádio seja mais rápido que o das TV’s, em especial as que recebem imagens via satélite, fazendo com que o indivíduo sintonizado nas rádios antecipe em até quinze segundos o resultado de uma jogada na televisão. O caso é tão grave que alguns bares proíbem que seus clientes ouçam as narrações via rádio, enquanto estiverem no bar.
Em um jogo de futebol, a natureza tensa dos acontecimentos e sua imprevisibilidade garantem um ardiloso meio de sedução do espectador, definido por uma palavra, suspense. A irritação de quem assiste a um jogo pela TV, e é surpreendido com a antecipação do que irá acontecer, tem origem na quebra desse vínculo. O prazer de acompanhar um lance e vê-lo se desenvolver, cheio de expectativa de que ele resulte em um gol, uma defesa, ou momento capital é o que mantém o sujeito preso frente à televisão. Desvelar antecipadamente esse mistério faz com que o contexto perca a graça, tal como alguém a quem se conta o final do filme prestes a assistir.
Como dito, pela natureza do jogo, a ansiedade prazerosa do suspense está garantida, em maior ou menor intensidade, de acordo com o envolvimento de cada um ao momento. Nas narrativas culturais, o suspense aparece de maneira diferente. Mostra-se, nesses casos, como estratégia, cuidadosamente arquitetada, que tende a magnetizar o espectador a uma história, aprisioná-lo em uma redoma na qual seu olhar se crava ansioso pela próxima linha, ou pela próxima cena, na angústia de querer saber.
O suspense como estratégia é tão eficiente, que sua especialidade deu origem a um gênero, amplamente explorado no cinema e demais produções audiovisuais. Um filme de suspense é como uma sala escura na qual se entra pela primeira vez, e sem enxergar nada a frente, se tateia, a fim de desvendar coisas e caminhos. A tensão em cada passo no breu da sala traduz a sensação de quem se deleita com as cenas de um filme desse gênero, tanto em relação às emoções como das manifestações físicas, das mãos suadas e do frio na barriga.
O reiterado uso do suspense como instrumento vem a reboque de outras costumeiras táticas utilizadas nas tramas para cinema e TV. Fugir do óbvio é um esforço hercúleo, já que há uma lógica densa envolvendo e coagindo o ser produtivo. O mercado drena criatividade e rotula produtos, é sua maneira de agir, seu carma na terra, e contra isso não há argumento. Existem infindas maneiras de contar uma história, mas só algumas vendem, e vender é preciso. Fica difícil questionar a mesmice de um enredo, quando este é abraçado pelo público, que o sustenta e estimula.
Cito o caso das novelas brasileiras. Se no cinema a sedução se dá em boa parte pelo suspense, nas novelas se desenvolve de outro modo. Entender esse “modo” não se dará por hora. Exige uma dedicação intensa de estudos de recepção, de tal forma que se possa responder a uma pergunta capciosa: por que as pessoas ainda assistem a uma novela?
O primeiro capítulo de uma telenovela é o resumo de toda sua trama. É possível prever cada passo dos personagens, com raros momentos de surpresa. “Quem matou Odete Roitman?” dizia um bordão criado para a novela Vale Tudo, de 1988, da TV Globo. Descobrir quem teria sido o assassino da personagem era o grande mote da história; garantiu um mistério que cativou a audiência e a fez sucesso nacional. O modelo virou clichê, e ainda hoje quando querem introduzir suspense a uma trama novelesca, constroem uma cena de crime oculto.
A mesmice rotineira e sem graça poderia indicar uma decadência desse gênero, mas não, o fôlego continua. Do mesmo modo, a repetitiva espinha dorsal de uma novela poderia ser compensada pela qualidade dramatúrgica envolvida, com densidade de descrição de personagens, e complexas tramas internas, mas também não é o caso. Os personagens mudam de nome, de rosto, mas permanecem os mesmos, de posições bem delimitadas, quase maniqueístas, com raras exceções.
Ao longo de sua história, as novelas se dedicaram a uma estratégia peculiar na busca por cativar a audiência. As narrativas pobres, de tempos em tempos, apresentavam supostos pioneirismos, a fim de surpreender o público. Ao folhetim sem audácia introduziu-se a cena do beijo. Um choque! Depois do beijo, o primeiro nu. Um escândalo! Saturados, vieram os cortes de cabelo em cena, a questionável responsabilidade social na elaboração de temas, os beijos homossexuais e por último as cenas explícitas de sexo. Logo virão os palavrões, tomem nota. Não é que estas inserções substituam a função do suspense, do mistério, do por vir, mas acabam por compensar a incapacidade de algumas tramas em fazê-lo.
Estes recursos já não são novidade, o público os domina. Ora, se eu sei como começa, sei como termina, e sei como se desenvolve, por que assisto? É possível que a novela tenha se tornado de tal maneira inerente a cultura do povo brasileiro, que este não a questione, não a exija, apenas a confira. São raros os casos de novelas fracassadas em audiência, o que corrobora com o pensamento de que para o brasileiro, previsível ou não, tudo bem.

Universo Palmital


O conjunto Maria Antonietta de Melo Azevedo, popularmente conhecido como Palmital, já foi o maior conjunto habitacional da América Latina, abrigando mais de 30 mil famílias. Esse universo de gente e histórias é o alvo deste documentário, que reconstitui os primeiros momentos do bairro, e mostra alguns de seus tantos personagens. Tratado com preconceito por uma parcela da sociedade, o conjunto conserva sequelas desse olhar avesso, ao mesmo tempo que recupera sua autoestima, orgulhoso das melhoras adquiridas. Esperamos contribuir para esse resgate.

O primeiro de outros filmes que virão. Boas histórias não tem preço.