sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sociedade Musical está em crise



Hipermarco por Rodrigo Antunes e Chico Soares

Reportagem por Felipe Canedo, Pedro Castro e Romulo Medeiros

Aos 115 anos de vida e parte indiscutível da história de Belo Horizonte, a Sociedade Musical
Carlos Gomes, vive hoje uma situação desconfortável. Há três décadas dedicando-se à banda, o maestro Francisco Belmiro Braga, anunciou recentemente sua aposentadoria. Não é por falta de amor à música e à sociedade que o militar reformado se afasta do tão respeitado posto. Um recente problema na visão o impede de continuar o serviço. "Precisamos urgentemente de um maestro para assumir a direção técnica da banda", afirma Belmiro Francisco.

O problema é que a banda não tem como pagar por um novo maestro já que, como entidade filantrópica, não possui os recursos financeiros necessários. O pouco dinheiro que entra nos cofres da Sociedade Musical vem de uma colaboração dos Alcoólicos Anônimos, entidade que usa parte do terreno da Sociedade Musical Carlos Gomes, para suas atividades assistenciais; de algumas apresentações encomendadas, onde se cobra o que for possível de ser pago, e da doação dos próprios músicos, que acaba sendo parcela fundamental para a manutenção da banda.

Atual presidente da instituição, Geraldo Manuel Pereira, reclama do descaso com o qual a banda é tratada. "Há dois meses fomos contratados para tocar em uma cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Pedimos uma colaboração e disseram não ter como nos pagar.Deixei claro que, apesar da dificuldade de levar tantos músicos para tocar na tarde de um fim de semana, queríamos o dinheiro apenas para custear a pintura de nossa sede. Ficou acertado que receberíamos pela apresentação a doação das tintas", afirma. O que pareceu ser um acordo perfeito teve um insólito fim. As tintas doadas eram de cores completamente distintas, além de estarem com datas de validade vencidas. "Os músicos novamente passaram o chapéu e terminaram, eles mesmos, pagando a conta da pintura", acrescenta.

Outro problema que a banda enfrenta é a dificuldade de conquistar músicos jovens para garantir a renovação de músicos essencial para se manter a tradição. Para o ex-maestro Francisco Belmiro Braga, o interesse dos jovens vem da cultura musical das famílias. "Você pode perguntar para todos os músicos da banda, quase todos vão dizer ter um dos pais, um tio ou o avô músico. É uma questão de origem", diz. Entre os integrantes da banda um consenso: os jovens de hoje em dia gostam das músicas eletrônicas, mas não gostam de tocar os clássicos ou se envolver com a tradição. "Não há o interesse da banda em sofisticar essa atividade, senão ela deixa de ser uma
tradição", afirma Belmiro.O músico Rafael Calaça, que se diz apaixonado pela riqueza das bandas civis de Minas Gerais, considera que o desinteresse dos jovens vem do desconhecimento. "Há muitos exemplos de bandas bem-sucedidas em envolver a juventude em Minas Gerais, mas é preciso investir em projetos educativos para atraí-los", afirma.

Ele lamenta o fato de sua opção por um instrumento de corda lhe impedir de tocar em uma banda de rua. Geraldo Manuel lembra o período em que, amparados pela verba de uma lei de incentivo, deram aulas periódicas a mais de 40 jovens de uma comunidade carente. Durante um ano, a banda pôde transmitir sua tradição e educar novos músicos. A experiência fora um sucesso, mas, por falta de um profissional apto a escrever e captar projetos, a banda não conseguiu manter as aulas. Para o apaixonado pelo som do bombardino Alexandre Fernandez Moreira, a banda é mais do que um encontro com a música, é um espaço para descansar a cabeça. "É uma maneira de descontrair, uma terapia para quem trabalha, como no meu caso, na área financeira", afirma.



HISTÓRIA Alfredo Camarate, engenheiro português que participou do projeto de
Aarão Reis para a criação de Belo Horizonte, era cronista de diversos jornais e era também músico. Em 1896, entre as ocupações de planejar a capital mineira e relatar seu ofício nos periódicos mineiros, Camarate fundou a Sociedade Musical Carlos Gomes. A história conta que o engenheiro, apaixonado por música, preferia contratar peões que tocavam algum instrumento para trabalhar nas obras da capital mineira. Da união de 15 músicos, sob a batuta de Camarate, nasceu a banda que tocava em festas e que tocou na inauguração da cidade.


115 anos depois, a Sociedade Musical Carlos Gomes segue pouco afinada com a capital que inaugurou, apesar da heroica dedicação de seus membros. Localizada hoje no bairro Calafate, próxima à Paróquia São José,
a sede da banda é um casarão conhecido pelos moradores das redondezas por sua música característica.Camarate talvez não imaginasse que 115 anos se passariam sem que sua banda deixasse de servir ao povo para o qual foi criada, mas se surpreenderia com o descaso com o qual por ele é tratada. Provavelmente, não fosse graça aos músicos que hoje tanto se dedicam à Sociedade Musical Carlos Gomes, este importante pedaço da história de Belo Horizonte já teria se perdido.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Espírito de pobre

Notícia de semanas atrás sobre o trem-bala Rio-Sampa, projeto megalomaníaco da presidência, relata impasse difícil de acreditar. Ocorre que o orçamento da obra, estimado em R$35 bi, saltou para R$55 bi, valor que os “pobrezinhos”, donos das maiores empreiteiras brasileiras, não querem pagar. Eles exigem que o governo triplique o valor de seu subsídio (subsídio = pó ficá pro cs) de R$4 bi para R$12 bi, aumentando também o valor do investimento na empresa estatal criada para gerenciar a linha.

Toda a ideia do trem-bala é envolta em manto que beira a estupidez, tamanho o absurdo que é dizer que um país, com o déficit cultural e social como o nosso, investirá R$ 55 bi em uma obra que beneficiará alguns seletos cidadãos, cansados de gastar seu precioso tempo nas pontes aéreas e capazes de arcar com o preço da passagem, que se estima, custará em torno de R$ 175,00.

Turistas talvez usufruam da tecnologia, mas a fatia que mais gozará do projeto é a dos empresários, artistas e políticos. João, José e Maria estão por fora do eixo Rio - Sampa e preocupam-se mais com o transporte coletivo diário, sem lugares, sem conservação, sem o mínimo de dignidade. Quisera eles ter um simples metrô ou trem urbano, que os ajudasse a economizar tempo e saúde no trajeto para o trabalho. Poderiam dormir mais, talvez acordar mais dispostos, e no fim de semana, sair para ir ao cinema ou teatro, sem a preocupação de não ter como voltar.

Fica evidente que o Brasil entrou em um momento de sua história em que a falta de cultura e base pesam na avaliação do que fazer com o dinheiro que tem. Ontem à noite, notícia na TV dava conta de que a arrecadação do primeiro semestre de 2011 bateu novo recorde. Fato que só corrobora a assertiva histórica de que somos um país rico. A questão é: ter riqueza é suficiente? Ou saber usá-la é que é o primordial?

A figura brasileira se assemelha a do indivíduo novo rico, que durante boa parte de sua vida foi pobre, e por obra do acaso enriqueceu de súbito. Ainda que me seja custoso admitir, a realidade é imperiosa: O Brasil é a lady Kate da comunidade internacional.

Lady Kate é personagem do programa Zorra Total da TV Globo. Uma ex-mulher da vida, que herdou fortuna de um amásio, e agora tenta se inserir na high society. Seu bordão nos serve como luva: Grana eu tenho, só me falta-me o glamour.

O que mais podemos dizer de um país, que vendo as necessidades básicas de seu povo, carente por saneamento e educação, prefere investir em um projeto cujo objetivo é puramente mostrar o Brasil em um ciclo de tecnologia e evolução que não temos? Por que insistir em uma ideia que fere de completo o bom censo, e que não encontra apoio na sociedade? O que queremos provar com a construção desse empreendimento, que temos trem-bala, mas não temos esgoto?

Nem mesmo a própria construção do trem é certa, já que a questão não são apenas recursos, mas também tecnologia para fazê-lo. O trem-bala brasileiro seria construído a partir de tecnologia coreana, mas ao que parece essa tecnologia não está completa e é imprecisa, restando a opção de importar o projeto francês. Logo, além de querer erguer um imenso elefante branco, não sabemos como.

O que sabemos é que ele seria gerido por mais uma estatal, depósito de apadrinhados políticos, que nada entendem de trem, ainda que alguns possam saber bem o que é bala. As consequências óbvias, e de longa data conhecidas, são corrupção, inchaço da máquina pública, desvio de verba e inoperância do sistema.

Assim como Lady Kate o Brasil tem que entender que para evoluir, e ocupar espaço de destaque, não só a capa do livro tem que brilhar, mas seu conteúdo, sua capacidade cultural e intelectual. Livrar-se do espírito de pobre, que limita a visão àquilo que é exterior, é o que nos fará perceber que nossa real carência é de base e berço. Lady Kate como diz, pode continuar “pagando”, que além das risadas, o máximo prejuízo que causará é em seu próprio bolso. Já nós...