segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Espírito de pobre

Notícia de semanas atrás sobre o trem-bala Rio-Sampa, projeto megalomaníaco da presidência, relata impasse difícil de acreditar. Ocorre que o orçamento da obra, estimado em R$35 bi, saltou para R$55 bi, valor que os “pobrezinhos”, donos das maiores empreiteiras brasileiras, não querem pagar. Eles exigem que o governo triplique o valor de seu subsídio (subsídio = pó ficá pro cs) de R$4 bi para R$12 bi, aumentando também o valor do investimento na empresa estatal criada para gerenciar a linha.

Toda a ideia do trem-bala é envolta em manto que beira a estupidez, tamanho o absurdo que é dizer que um país, com o déficit cultural e social como o nosso, investirá R$ 55 bi em uma obra que beneficiará alguns seletos cidadãos, cansados de gastar seu precioso tempo nas pontes aéreas e capazes de arcar com o preço da passagem, que se estima, custará em torno de R$ 175,00.

Turistas talvez usufruam da tecnologia, mas a fatia que mais gozará do projeto é a dos empresários, artistas e políticos. João, José e Maria estão por fora do eixo Rio - Sampa e preocupam-se mais com o transporte coletivo diário, sem lugares, sem conservação, sem o mínimo de dignidade. Quisera eles ter um simples metrô ou trem urbano, que os ajudasse a economizar tempo e saúde no trajeto para o trabalho. Poderiam dormir mais, talvez acordar mais dispostos, e no fim de semana, sair para ir ao cinema ou teatro, sem a preocupação de não ter como voltar.

Fica evidente que o Brasil entrou em um momento de sua história em que a falta de cultura e base pesam na avaliação do que fazer com o dinheiro que tem. Ontem à noite, notícia na TV dava conta de que a arrecadação do primeiro semestre de 2011 bateu novo recorde. Fato que só corrobora a assertiva histórica de que somos um país rico. A questão é: ter riqueza é suficiente? Ou saber usá-la é que é o primordial?

A figura brasileira se assemelha a do indivíduo novo rico, que durante boa parte de sua vida foi pobre, e por obra do acaso enriqueceu de súbito. Ainda que me seja custoso admitir, a realidade é imperiosa: O Brasil é a lady Kate da comunidade internacional.

Lady Kate é personagem do programa Zorra Total da TV Globo. Uma ex-mulher da vida, que herdou fortuna de um amásio, e agora tenta se inserir na high society. Seu bordão nos serve como luva: Grana eu tenho, só me falta-me o glamour.

O que mais podemos dizer de um país, que vendo as necessidades básicas de seu povo, carente por saneamento e educação, prefere investir em um projeto cujo objetivo é puramente mostrar o Brasil em um ciclo de tecnologia e evolução que não temos? Por que insistir em uma ideia que fere de completo o bom censo, e que não encontra apoio na sociedade? O que queremos provar com a construção desse empreendimento, que temos trem-bala, mas não temos esgoto?

Nem mesmo a própria construção do trem é certa, já que a questão não são apenas recursos, mas também tecnologia para fazê-lo. O trem-bala brasileiro seria construído a partir de tecnologia coreana, mas ao que parece essa tecnologia não está completa e é imprecisa, restando a opção de importar o projeto francês. Logo, além de querer erguer um imenso elefante branco, não sabemos como.

O que sabemos é que ele seria gerido por mais uma estatal, depósito de apadrinhados políticos, que nada entendem de trem, ainda que alguns possam saber bem o que é bala. As consequências óbvias, e de longa data conhecidas, são corrupção, inchaço da máquina pública, desvio de verba e inoperância do sistema.

Assim como Lady Kate o Brasil tem que entender que para evoluir, e ocupar espaço de destaque, não só a capa do livro tem que brilhar, mas seu conteúdo, sua capacidade cultural e intelectual. Livrar-se do espírito de pobre, que limita a visão àquilo que é exterior, é o que nos fará perceber que nossa real carência é de base e berço. Lady Kate como diz, pode continuar “pagando”, que além das risadas, o máximo prejuízo que causará é em seu próprio bolso. Já nós...

2 comentários:

  1. Concordo com suas palavras. Esse é mais um exemplo de imitação do padrão de consumo dos países desenvolvidos: o excedente gerado pela nossa economia não fica aqui. Acaba voltando para o centro econômico, já que aqui, na periferia, consumimos os produtos deles, a cultura deles. No caso do trem bala, parece ser uma imitação do padrão de consumo a nível nacional...
    Só não concordo com uma coisa. Acho que a empreitada deveria sim ser assumida por empresa pública, de modo que os lucros fiquem com o país. Entendo o problema o problema do funcionalismo público, mas deixar a iniciativa privada assumir é apenas empurrar o problema pra frente e não enfrentá-lo.

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  2. É interessante pensar que pudéssemos realizar a obra, e assim manter o capital investido no país. Acredito até que se soubéssemos como fazer, esse seria o panorama ideal. Só não estou certo de que temos a capacidade cultural de dar poder ao estado, sem concentrá-lo, de modo que o país não regrida ao coronelismo, rendendo-se a caciques. Em poucas palavras, não temos homens públicos honestos o suficiente para isso. Ao menos não no poder.

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