segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Umbanda: mediunidade, acolhimento e iniciação

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Sensibilidade à priori do verbo

        A mediunidade é uma esfera da potência humana, uma extensão de sua inteligência racional e emocional, que se desdobra sobre sua percepção do universo físico e além. É comum a todos, mas ferramenta primeira do médium, de maneira que está dedicada ao que ele determina, sendo primordial dizer que sua finalidade correta é a caridade. À cada um, distintamente, a mediunidade convoca, por um fenômeno ou por um acaso, que não coube explicação dentro do que até então se tinha sabido, e por assim dizer, desperta para uma nova gama da vida.
       Tão diversificadas quanto a cultura, as matrizes espirituais que definem a alma são responsáveis por apontar a direção do acolhimento espiritual a partir do despertar, aproximando o trabalhador do caminho mais afim.
        Os médiuns que se aproximam dá Umbanda, recebem esse chamado da mediunidade de forma essencialmente sensorial, respondendo a matrizes de apelo emocional, de natureza não racional, mas nem por isso menos intensa. Ao chegar à Umbanda, o médium entende e aceita seu caminho não pelo verbo, mas pelo arrepio.
       A explicação para esse método de acolhimento pode ser encontrada na origem dos cultos umbandistas. Já nos seus primeiros anos, instituindo-se como alternativa de trabalho espiritual, a Umbanda mostrou-se aberta e receptiva a médiuns das mais variadas nuances. As cobranças em termos de preparação, ciência e respaldo teórico eram deixadas de lado, a fim de abraçar os até então excluídos de esferas espirituais de cunho mais racional, baseadas em leituras e interpretações, tal como o espiritismo de Kardec.
      A Umbanda era o trabalho, e como trabalho, exigia apenas compromisso e verdade, sendo a verdade avaliada pelo fenômeno e sua intensidade. Ainda que esses parâmetros tenham sofrido mudanças ao longo do tempo, acabam por ainda ser a referência para a aceitação do médium no círculo de Umbanda e suas derivações.

Doutrina e sensibilidade, um desafio da nova Umbanda
          A mediunidade se tornou uma questão para mim aos nove anos. Pequenos fenômenos me aconteceram, e inquieto procurei entendê-los, primeiro sozinho, depois com a ajuda de mentores espirituais. Nessa época, vivia com minha avó, com quem passei tempos aprendendo coisas que não sabia o porquê. Ela foi a primeira a me chamar de “médium de berço”, conceito paradoxal, já que todos os médiuns são nascidos assim, mas que na Umbanda e afins significa um despertar prematuro da mediunidade.
      Minha avó era uma médium de fenômenos, filha de Iansã, explosiva, mas com sensibilidade aguçada e grande abertura mística. Aos nove, me falava de ervas para banhos, de orações, de magias antigas, chás curativos, simpatias, cristais e todo tipo de efeito elementar comum a esse universo umbandista. Curiosamente, apesar de discorrer sobre todos esses temas, nunca me falou propriamente sobre a Umbanda, e raramente citou entidades espirituais.
       Tia Maria era um exemplo do médium formado por sua “sensorialidade”, dentro dos domínios da Umbanda, mas lapidado pelo fenômeno e não pela razão. Para ela tudo se baseava na verdade do que sentia, e não nos desígnios dogmáticos da religião, até porque, o em se tratando de Umbanda, havia com ainda há dificuldade até de definição do gênese. A Umbanda era um lugar onde outrora trabalhou, mas que não necessariamente a continha.  Poderia, se quisesse, abrir para si uma tenda, e ali exercer atividades espirituais através de suas mediunidades, sem que fosse necessariamente classificada pelo que nos esforçamos a chamar de Umbanda.
        De certa forma, quando me educava na sabedoria dos elementos, sem me incitar ao domínio religioso, tentava me dizer que que tal sensibilidade vem à priori da religião, e sem dúvida, é o que se percebe hoje nas mais variadas casas umbandistas. A Umbanda quis que fosse assim, e hoje tenta lidar com as consequências desse método.
        Percebeu tardiamente que o trabalho espiritual era sim necessário, mas que os médiuns precisavam de doutrina, já que o império do sensível compreende com facilidade a farsa mística e moral. O conhecimento sobre si, o estudo e a racionalização de suas tarefas, esbarram na construção histórica de uma religião fenomenológica por natureza, de modo que tal conciliação é um dos grandes desafios que lhe aguardam.
      Lembro quando aos 11 anos repousei meus joelhos frente a uma sábia preta – velha, desejoso de iniciar minha trajetória na Umbanda em sua casa. Ela, muito carinhosa e ao mesmo tempo enérgica, disse que me aceitaria fazendo apenas duas exigências: responsabilidade e compromisso. Agregado a esses dois pilares fundamentais, a Umbanda hoje anseia também por doutrina. O discernimento do trabalho é tão importante quanto ele próprio, de maneira tal que só através do discernimento, estaria ela, Umbanda, também em compasso com a evolução.


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