terça-feira, 9 de novembro de 2010

Entrevista Eduardo Almeida Reis

O cronista do olhar Tiro&Queda


As confissões do “Philosopho” Eduardo Almeida Reis, um polêmico de “bem com a vida”


Charuto a boca, sentado em sua poltrona com as pernas estendidas sobre amparo, cercado de estantes tomadas por livros e a companhia solitária de uma fotografia do então presidente Fernando Henrique Cardoso, ostentando a faixa presidencial. Esta é a figura de Eduardo Almeida Reis, que se define como um “sujeito de bem com a vida”. “Mau repórter” no início de sua carreira no jornal O Globo, Almeida Reis logo descobriu sua vocação para as crônicas, o que mais tarde, a partir da década de 90, tornar-se-ia hábito diário.

Escritor e hoje membro da Academia Mineira de Letras, o “Philosopho” como se auto-intitula, acaba de lançar novo livro, contando histórias de um amigo falecido ano passado. O Breviário de um canalha, cujo personagem principal, Claudio, envolve-se em trama controvérsia, chegou a ser confundindo com uma autobiografia, fato que o autor faz questão de negar com veemência. “Absolutamente, aquela é a história de um amigo meu!”.

Cronista do Hoje em Dia por quinze anos, e colunista do Estado de Minas há cinco, o jornalista prevê um fim próximo para o jornal impresso, “dizem que dura mais cinco anos”, ao qual também faz críticas e identifica dificuldades, como a falta de novidade. Para seu futuro, planeja participar de um programa na TV Assembléia, segundo ele, dando continuidade às suas “bobagens”. Ao mesmo tempo, não pretende largar o hábito de escrever, que espera manter até que o prazer em fazê-lo se acabe.


Carioca de nascimento, membro da Academia Mineira de Letras. Como Minas entrou na sua história?
Em 1713, um tatatataravô chamado Ambrósio Caldeira Brant foi eleito vereador em São João Del Rey, e a casa dele funcionava como câmara. De lá os quatro filhos dele, Custódio, Felisberto, num sei que, num sei que, saíram e sempre trabalhavam juntos, embora o Felisberto fosse o cabeça. Os quatro foram para Paracatu, ficaram ricos e depois foram ser comendadores em Diamantina. Descendemos do Custódio. Minha família por parte de mãe (Sara Caldeira Brant) toda descende dele. Até recentemente, a única pessoa que havia nascido no Rio era minha mãe. Meu avô era jornalista no Rio. E lá ela casou-se e eu nasci.

Quando começou a obrigação de escrever diariamente?
Eu comecei diariamente em 90, agora, desde 1966 eu tinha crônicas no Globo. Depois, quando eu fui morar na roça em 1970, passei a escrever para oito veículos agropecuários por mês.

O senhor foi cronista do Hoje em Dia, e há algum tempo tem sua coluna Tiro e Queda publicada no Estado de Minas. Uma rotina de escrita literária para um jornal diário é uma atividade que o senhor qualifica em que grau de dificuldade?
É muito mais fácil do que ter uma vez por semana e mil vezes mais fácil que ter uma vez por mês. Porque você senta e faz, não fica esperando ter inspiração. E faz até com certa antecedência, porque, por exemplo, caso precise viajar, você tem que deixar prontas dez matérias aqui, cinco no Correio Braziliense e alguma coisa pra quando se voltar da viagem, apesar de levar meu Laptop.

Qual é o seu método de trabalho? O senhor escreve várias crônicas por dia, escreve a crônica que irá para o jornal no dia anterior, como funciona seu sistema de criação e quais são seus principais alvos?
Nem sempre é em cima da hora. O negócio é preparado. Hoje eu tenho muito envolvimento com o momento, mas o momento também já passou, se eu escrever agora sobre esse meu dedo do pé, amanhã passou a ser ontem. Então o negócio é mais ou menos sobre os assuntos do momento, interpretando, pegando uns ângulos diferentes, engraçados.

Por vezes, a inspiração não veio?
Com certeza, bom se tiver que escrever agora, por exemplo, e não tiver inspiração, tem aquilo tudo ali (apontando para a estante, cheia de pastas encadernadas) que chama “gaveta”. Eu fui colega do Nelson Rodrigues, companheiro dele de redação no Globo, e perguntei ao nosso diretor de redação, que era um cara extraordinário chamado Moacyr Padilha: Como é que o Nelson Rodrigues escreve isso todo dia, se ele tem “gaveta”? Tudo que ta ali, na “gaveta”, é de antes do computador. Tudo recorte colado. Então você vai ali, pega e cozinha um pouco. É raríssimo eu utilizar, nos últimos meses só recorri a “gaveta” acho que duas vezes.

Além de cronista, o senhor exerceu a função de repórter no jornal O Globo. Ser repórter foi penoso para alguém tão cheio de adjetivos no que escreve?
Eu fui mau repórter! Eu num almoço ouvi o João Havelange dizer que o Pelé estava cego, mas que ninguém dizia isso ainda oficialmente e que convocavam o Pelé para a seleção. Eu tinha diversas testemunhas no almoço, inclusive meu pai, que era amigo do Havelange. Se esse troço sai na primeira pagina “Pelé está cego!”, já imaginou? E eu não tive coragem de fazer o negócio, porque o rapaz ta lá ganhando a vida dele, num quis atrapalhar.

Entre letras e palavras, um pecuarista. Como foi esse período? Uma fuga?
Minha mulher, a mãe das minhas filhas, tinha fazenda, continua a ter. E eu trabalhei nas fazendas dela, morei lá e, quando solteiro, tomei conta de fazendas dos outros. Uma até muito grande na fronteira do Paraguai e outra muito grande aqui no Oeste de Minas. Então sempre tive mania de roça, hoje não tenho roça mais. Eu larguei O Globo em 1970 e fui morar na roça, na época tinha salário de subchefe e mesmo assim pedi demissão. É até um emprego que ninguém larga, mas se você não fizer as coisas que quer fazer na hora, não dá.

Um colunista tem que enfrentar rusgas de quem às vezes o lê e se sente ofendido. Suas colunas já lhe renderam alguns desses contratempos? Algum colega jornalista ou colunista?
Ah! sim, muitos, fui processado em R$50 milhões certa vez pelo governo do Amapá. E de vez enquanto tem um leitor que lê e não entende ou lê e entende e entra de sola. Eu acho que nunca tive desafetos jornalistas ou colunistas. Lá no Estado de Minas tinha um sujeito que não falava com ninguém, saiu, processou o jornal. E como ele não falava com ninguém, depois de eu ter dado muito “bom dia” a ele, parei de dar. Mas era um maluco coitado.

Eduardo Almeida Reis é um homem polêmico?
Acho que de certa forma sim. Eu faço muita coisa pra instigar, pegar o aspecto diferente da história. Agora, por exemplo, estava descobrindo, que existem três famílias de plantas, as gramíneas, as leguminosas e as ciperáceas. As ciperáceas tem o caule triangular. Uma das ciperáceas é a tiririca. Da tiririca, nativa do Brasil, se faz um papel transparente da melhor qualidade. E outra ciperácea é o papiro em que se escreveu e pintou durante séculos. Então você vê que essa perseguição ao coitado do Tiririca é uma sacanagem.

“Philosopho” é a melhor definição de Eduardo Almeida Reis, ou há uma melhor possível em uma frase ou palavra?
Philosopho é para evitar o eu, eu fujo como diabo do eu. Rarissimamente eu boto o eu, porque é uma mania de cronista, eu isso, eu aquilo. O cronista é muito voltado para o umbigo né? Em uma frase: Eu sou um sujeito de bem com a vida.

Seu novo livro, “O Breviário de um canalha”, tem Claudio como personagem principal, envolvido em uma trama controvérsia. Em Tiro e Queda, o senhor vive repreendendo os amigos que identificam o livro como uma autobiografia. Há motivos para se pensar que de fato ele é?
Absolutamente, aquela é a história de um amigo meu, que morreu no ano passado. Raríssimas pessoas sabem que ele comeu a sogra. Acho que só eu. Ele me contou uma vez, já maduro bem maduro, a sogra tinha morrido, andando a cavalo no alto de um morro. Então eu não podia escrever o livro antes da morte dele, que ocorreu ano passado, porque caso contrário ele iria se identificar. Não é comum esse negócio de comer sogra.

O senhor vive sozinho. Um ermitão é um homem por vezes mais reflexivo e produtivo ou a solidão não é instrumento de inspiração?
Eu fui casado quatro vezes, e há três anos estou separado da quarta, sou muito amigo, mora hoje nos EUA, está casada com um forte candidato ao prêmio Nobel. Depois de mim, só um Nobel, né? Faz bem estar sozinho, é produtivo. Você estando casado, tem que dar atenção. Então, só, no tempo em que você estaria dando atenção, você pode fazer o que quiser. Você pode, por exemplo, falar sozinho, que é muito gostoso. Você quando fala sozinho tendo uma companheira, ela quer saber o que é que você está falando, e por que falou.

O senhor acredita que o talento, no jornal moderno, é o principal passaporte ou é superado pela indicação?
O talento acaba prevalecendo. Eu acompanhei um curso de Jornalismo de perto, e havia 44 alunos na sala. No terceiro ano, o Marcelo Barreto, que é editor hoje do Sportv, disse: Aqui na sala só eu e a fulana de tal vamos chegar lá. E foi dito e feito. Dos 44 só 2 se destacaram, tão nisso até hoje, a fulana é editora do Globo, e os outros 42, se espalharam. Pode ter algum com esse negócio de assessoria de imprensa, mas o mercado é muito limitado. E o jornal impresso atual, não tem novidade nenhuma.

Como o Senhor avalia a situação do jornal diário, com a concorrência das novas mídias, e a instantaneidade principalmente da internet?
Enquanto tiver essa turma velha, acostumada a ler, e que precisa da leitura, ele sobrevive. Agora, essas novas gerações, essas tão em cima desses aparelhinhos que você lê na hora, num “i” num sei o que. Dizem que o jornal diário ainda vai durar cinco anos. Como eu não vou durar cinco anos, eu estou dentro.

Conciliar literatura e jornalismo, tornando os textos dos jornais mais palatáveis, pode ser uma solução para o resgate do jornal desta crise?
Jornal tem que ter anúncio, esses jornais como Globo, e o Estado de Minas, em concorrência com jornais populares, estão tendo a recompensa agora de que uma página do Super, por exemplo, custa a mesma coisa que uma página do Tempo. Aí vai o anúncio das casas Bahia, Ricardo Eletro, então o sujeito compra o que está ali. Agora, pode ser uma alternativa. Tem um aí do Paulo Cesar de Oliveira (Diretor da revista “Viver”), até o fim do ano, para distribuição gratuita em classe “A A A”. O Lindenberg (ex-diretor de redação do Hoje em Dia) que era do Hoje em Dia ta nessa, a Maria Eugênia, mulher do Carlinini da TV Alterosa, está também. Deve sair agora no final do mês, antes do fim do ano. É um nicho, uma tentativa, não sei como irá funcionar, espero que seja em formato tradicional, porque eu não me adapto muito bem ao tal do tablóide.

A coluna lhe dá a liberdade de expor sua opinião, e isso é visível nas entrelinhas de seu texto. Esse “país grande e bobo” tem jeito?
Tem alguns piores que nós. E muito piores. É uma forma de consolo. Estava vendo um negócio de corrupção. Nós estamos entre 60º e 70º, por aí. Os locais onde há menos é a Dinamarca e a Nova Zelândia. Então se estamos entre 60º e 70º, tem mais 110 pra trás.

Além do olhar exterior, e das opiniões expressas em texto, o Senhor já teve alguma atividade política e/ou filiação partidária?
Nunca. Nunca. Eu lamentei não ter sido expulso do Banco do Brasil, no final de 1969. Na época saiu uma lista de expulsões e pessoas retiradas, com um código. O meu código era diferente, era de pedido de demissão. Se eu tivesse saído com outro código, tinha recebido milhões de indenização hoje.

PT OU PSDB?
Tudo menos o PT.

Serra ou Dilma?
O menos ruim.

O senhor votou ou votaria em Lula?
Nunca votei e não gosto dele. Ele teve todas a oportunidades de estudar, e não estudou.

O senhor leu ou leria Paulo Coelho?
Tentei uma vez na fazenda de um amigo em Francisco Sá, no norte de Minas, o “Diário de um mago”. Quando a espada que ele tava carregando, entrou no sovaco da mulher e ela levantou-se e deu-lhe um beijo sonoro na boca, eu parei. Parei no beijo sonoro, porque nunca imaginei como um beijo na boca pode ser sonoro. Deve ser uma falha minha, porque todo mundo lê, todo mundo gosta, é membro da Academia.

Até quando escrever?
Enquanto estiver sentindo prazer no que faço e gostando do que faço. O sujeito pode sentir prazer numa coisa e não gostar. E eu, por enquanto, curto as bobagens que escrevo. Tenho projeto de um programa na TV Assembléia, falando minhas bobagens por lá também. Quer dizer, a gente vai tentando outras coisas.


8 comentários:

  1. Gostaria de ver o Philosopho no Programa do Jô... Se tanta gente desconhecida, por ter rabiscado livrecos, como Bruna Surfistinha, esteve lá, não dá para entender porque até hoje não o convidaram (a menos que tenha recusado).

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  2. Depois de ler essa entrevista até me sinto íntimo do Philosopho... Desejo muito sucesso na TV Assembleia, porque quem quer e procura alcança.Sei que o duardo não gosta de anônimos, por isso mostro a cara

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  3. Admiro pessoas comentarem que eduardo reis é filosofo,depois do seu comentario de ter perdido minhões de indenização do banco que trabalhou.
    Será que vcs não ouviram falar que CULTURA E DINHEIRO não caminham juntos!

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  4. Parabéns pela entrevista! Salvem os pensadores politicamente incorretos...
    Abraços,
    Ale.
    http://ordem-natural.blogspot.com

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  5. Estamos bem, pois! É justo que todo intelectual seja miserável? Intelectual não pode pensar em ganhar dinheiro? Nem com seu excelente trabalho que proporciona conhecimento, entretenimento e cultura? É verdade que a maioria dos artistas se sentem mal em misturar dinheiro com a arte que produzem, mas nem todos começam a produzir já com liquidez para contratação de um administrador/empresário. Alguns têm de cavar seu próprio sustento, centavo a centavo. E é duro viver de arte!

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  6. Parabéns Sr. Eduardo Almeida Reis, sou assinante do jornal Hoje em Dia, e sempre tinha em seus artigos/crônicas leitura obrigatória. Acho que o jornal deveria tentar contratá-lo novamente, sua saída foi uma grande perda.

    Cláudio.

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  7. Sou assinante do Correio Braziliense e grande apreciador e admirador do seu jeito de escrever. A "Pena Capital" esta ausente na sexta-feira, fato recente, que lamento e agora após ler a sua entrevista e essa sua declaração "Como eu não vou durar cinco anos, eu estou dentro", portanto mais do que nunca faça as suas crônicas diariamente, se não der volte a escrever nas sextas-feiras . Sr. Eduardo Almeida Reis acredito na sua eternidade.
    Muito obrigado,
    Saul.

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