sexta-feira, 19 de junho de 2009

Chá de Panela

Fim de semana prometendo emoções, aguardado como sempre angustiadamente, e na sexta à tarde (é sempre no fim da sexta pra que você tenha menos chance de encontrar uma desculpa válida) sua esposa - namorada, ficante promissora, amiga íntima - vem até você com um papel mal emoldurado e de má qualidade, rabiscado com a senha para a sua dor de cabeça. Dor que tem nome: “chá de panela”. Engraçado ser um chá que causa dor, mas é a verdade. Quer algo mais sem propósito que chá de panela? Explico.
Tudo começa com o objetivo do tal encontro. Ao comparecer no evento você deve levar um presente ou uma colaboração. Geralmente isso vem descrito no “convite”, que aliás, por si só já é um abuso. Imagina, um convite pra que você dê a alguém um presente, é como se dissessem : “oi, no sábado venha na minha casa e me dê um presente, independente se você tenha dinheiro ou queira, faça se não você não é meu amigo”. O mimo indicado no papel muitas vezes é apenas simbólico, o que de certa forma alivia o disparate, mas, em contra partida, também diminui ainda mais o propósito da celebração.Sejamos sinceros, uma vassoura, uma pá, uma lixeira ou um cento de salgados não vão colaborar em nada com a vida nova do casal ou com a festinha, tão pouco servirá de demonstração de carinho de sua parte para com eles, além do que, se eles resolveram se casar, que arquem com as conseqüências e gastos do ato, têm nada que dividir com os amigos o custo. Mas, você é alguém delicado, e a fim de evitar fofocas (“num veio porque é mão de vaca!”) acompanha sua mulher até o local. Leva seu presentinho que fatalmente se acumulará num canto cheio de espanadores e outras inutilidades e senta-se numa mesa esperando algo acontecer.
Claro que a sua espera é em vão, afinal o que é que pode acontecer num chá de panela? As festas protocolais (eventos com subsídio do protocolo que rege o mundo, sabe, aquelas do tipo: se você não for, você não faz parte desta sociedade) em sua maioria tem um momento o qual se considera como clímax . Numa festa de aniversário, por exemplo, espera-se os “parabéns”, na festa de 15 anos a “valsa”, no natal a “ceia”, no réveillon a “contagem”, na de casamento o “buquê”. Agora, o que esperar num chá de panela? A rigor o máximo de emoção possível é alguém se exceder na bebida (e vamos absolver esta pessoa, o tédio é o principal culpado) dando um showzinho a parte. Este, por sinal, é outro problema com este tipo de encontro. Sem um ápice, com nada acontecendo, abre-se uma brecha para o famigerado “animador de torcida”. O “animador de torcida” é aquele parente distante da noiva ou do noivo que ninguém tem coragem de excluir da lista (geralmente um tio de 40 a 50 anos que fala alto e bebe um bocado), mas que todos tem consciência que é chato, menos ele próprio, claro. É geralmente ele que puxa o “discurso, discurso, discurso”, ou incentiva as mensagens para os noivos e as fotos. Aliás, o capítulo fotos merece um anexo. Nem sempre você é sociável o suficiente pra demonstrar afeto por pessoas que desconhece. Num chá de panela unem–se a família do noivo, da noiva, amigos de um, do outro, e de ambos, sem descartar as pessoas “órfãs” de ligação biológica ou afetiva. Em meio a essa torre de babel, surge alguém, uma câmera fotográfica e muita impetuosidade dizendo: ”foto, foto, junta aí, junta aí”. Nesse ínterim você se vê exprimido entre a tia de 86 anos da mãe da prima da mãe da noiva e o garçom.
Cansado, desmotivado, dominado pela monotonia, você, uma vez que os bebes são regrados resolve se alimentar com os comes oferecidos. Aliás, nem tem como os bebes não serem regrados, não há a menor possibilidade –tirando o tio animador de torcida- de alguém se imaginar bêbado num chá de panela: “ô fulano, aonde você vai hoje à noite?” – “vô beber todas no chá de panela da prima da minha esposa”. Num dá. Olha para mesa, salgadinhos frios, pastéis de vento e todo tipo de enganação alimentícia. Já desalentado, corre o olho para a mesa central, na qual impera uma recém chegada panela contendo o prato principal da noite (uma vaca atolada, por exemplo). Anima-se, levanta-se, mas é interrompido, pois, de repente, não mais que de repente, emerge a frente da mesma panela uma fila de crianças, adultos, senhoras, senhores, cachorros, o que o leva a concluir que ou todos estavam famintos ou todos estavam entediados esperando algo novo acontecer, ou os dois.
Crianças correm, pessoas ouvem conversas de pessoas, as horas não passam. Você olha para o relógio e nada acontece. O receio nesse momento é ir embora muito cedo, há um medo de ser apontado ou comentado pelos outros. Na verdade, pode-se afirmar sem cometer injustiça, que todos que ali estão, assim como você, aguardam um momento em que se possa dizer sem cometer gafes: ”vamos embora”. Nas festas protocolais este momento “vão bora” vem logo após o clímax. Como não há clímax no chá de panela, fica-se então a espreita de uma deixa.
Enquanto aguarda, ansiedade, agonia, raiva, ódio, desespero, tudo se mistura em seu "eu", até que uma velinha salvadora (dessas que dormem cedo e tem cacife pra bancar a decisão) decidi sair e você (que espreitava uma deixa) logo acompanha o fluxo de pensamentos coincidentes naquele instante e diz a sua mulher: ”Amor, vamos?”. Enfim, utilizando-se do subterfúgio "vó" com algum talento, você consegue escapar da armadilha derradeira. Sai, despedi-se dos noivos (que você viu a noite toda, porque eles ficam passeando entre as mesas sem saber o que fazer), entra no carro e suspira aliviado, desacredita que tudo acabou, olha para o lado e concluindo a sua estada no evento da noite com maestria, diz a quem esteja com você (seguindo a falsidade também protocolar da sociedade): “É (pausa dramática) teve bom né?”.


Chá de Panela = Proteja-se.
Texto livremente inspirado na idéia do programa "Cilada" de Bruno Mazzeo.

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